Marcelo Camargo/Agência Brasil |
Débora Brito - Repórter da Agência Brasil
A ingestão precoce de álcool é
a principal causa de morte de jovens de 15 a 24 anos de idade em todas as
regiões do mundo. O dado está no Guia Prático de Orientação sobre o impacto das bebidas alcoólicas
para a saúde da criança e do adolescente, lançado pela Sociedade Brasileira de
Pediatria (SBP).
Às vésperas do carnaval, período em que há forte estímulo para a
ingestão de bebidas alcoólicas, o principal objetivo do documento é alertar
pediatras, pais, professores e os próprios adolescentes para os prejuízos do
consumo precoce. A iniciativa é do Departamento de Adolescência da SBP, que
pretende mobilizar entidades, educadores, familiares que atuam com crianças e
adolescentes na prevenção do uso de álcool na fase de desenvolvimento e
promover hábitos saudáveis entre os jovens.
“Estamos agora, antes do carnaval, lançando esse manual de
orientação, mostrando os danos do uso precoce do álcool. De fato, as crianças e
os adolescentes precisam de orientações seguras para melhorar a qualidade de
vida e seus hábitos, porque sabemos que há uma exposição prejudicial deles ao
álcool e às drogas”, explica a pediatra Luciana Silva, presidente da Sociedade
Brasileira de Pediatria.
Segundo estudos científicos citados no guia, quase 40% dos
adolescentes brasileiros experimentaram álcool pela primeira vez entre 12 e 13
anos, em casa. A maioria deles bebe entre familiares e amigos, estimulados por
conhecidos que já bebem ou usam drogas. Entre adolescentes de 12 a 18 anos que
estudam nas redes pública e privada de ensino, 60,5% declararam já ter
consumido álcool.
As pesquisas mostram que o tipo de bebida mais consumida entre
os jovens varia de acordo com a região. No Norte e Nordeste do país, a
preferência é pela cerveja, seguida do vinho, enquanto no Centro-Oeste, Sudeste
e Sul há consumo maior de destilados, como vodca, rum e tequila. Essas últimas,
geralmente são mais consumidas em “baladas”, onde é comum a mistura de álcool a
outras bebidas não alcoólicas, como refrigerantes ou sucos.
Consequências
Os médicos ressaltam que quanto menor a idade de início da
ingestão de bebida alcoólica, maiores as possibilidades de se tornar um usuário
dependente ao longo da vida. De acordo com pesquisas, o consumo antes dos 16
anos aumenta significativamente o risco de beber em excesso na idade adulta. “O
indivíduo adolescente está numa idade em que parte do cérebro ainda está se
formando e que o comportamento impulsivo é muito grande. Quem bebe precocemente
tem muita chance de usar o álcool de forma abusiva na vida adulta”, explicou
Luciana Silva.
Para especialistas, o consumo precoce pode levar a uma série de
consequências nocivas. Os adolescentes que se expõem ao uso excessivo de álcool
podem ter sequelas neuroquímicas, emocionais, déficit de memória, perda de
rendimento escolar, retardo no aprendizado e no desenvolvimento de habilidades,
entre outros problemas.
O custo social do uso abusivo de álcool também é elevado. Os
adolescentes ficam mais expostos a situações de violência sexual e tendem a
apresentar comportamento de risco, como praticar atividade sexual sem proteção,
o que pode levar à gravidez precoce e à exposição a doenças sexualmente
transmissíveis.
O alcoolismo entre 12 e 19 anos também eleva a probabilidade de
envolvimento dos jovens em acidentes de trânsito, homicídios, suicídios e
incidentes com armas de fogo. “A mortalidade nessa faixa etária está
intimamente ligada ao consumo precoce do álcool”, alerta a pediatra.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 2,5
milhões de pessoas morrem a cada ano no mundo devido ao consumo excessivo de
álcool. O índice chega a 4% do total da mortalidade mundial e é maior do que as
mortes registradas em decorrência da aids ou tuberculose.
O guia traz ainda dados de pesquisas internacionais que mostram
que nos Estados Unidos, a bebida alcoólica está mais associada à morte do que
todas as substâncias psicoativas ilícitas, em conjunto. Segundo o manual, os
acidentes automobilísticos associados ao álcool são a principal causa de morte
entre jovens de 16 a 20 anos, mais que o dobro da prevalência entre os maiores
de 21 anos.
Propaganda enganosa
Os especialistas que elaboraram o documento afirmam que o
consumo de álcool e drogas durante a adolescência está associado a vários
fatores, como a sensação juvenil de onipotência, o desafio à estrutura familiar
e social, à curiosidade e impulsividade, necessidade de aceitação, busca de
novas experiências e baixa autoestima.
O documento chama a atenção para a forte influência de amigos
que usam drogas e de um ambiente familiar conturbado e desestruturado como
fatores determinantes para o envolvimento precoce de crianças e adolescentes
com o álcool. Segundo a SBP, além dos fatores individuais de predisposição
juvenil, colaboram ainda o fácil acesso às bebidas no Brasil e o marketing que associa o álcool a prazer,
sucesso, beleza e poder.
A entidade defende que propagandas dessa natureza, em qualquer
veículo, sejam completamente proibidas. E que haja mais investimento em
campanhas de prevenção que mostrem as reais consequências e malefícios do
consumo de álcool e drogas, já que a falta de informação é apontada como outro
fator que propicia o uso abusivo dessas substâncias.
Crime
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente,
regulamentado pela Lei 13.106/ 2015, vender ou oferecer bebida alcoólica para
menores de 18 anos é crime que pode resultar em detenção de dois a quatro anos
do vendedor, aplicação de multa de até R$ 10 mil ou interdição do local de
venda. A lei não limita as punições aos comerciantes. Qualquer adulto,
inclusive familiares ou amigos que oferecem bebidas alcoólicas a criança ou
adolescente, está sujeito às sanções.
A legislação brasileira também restringe o horário de veiculação
de propagandas de bebidas alcoólicas em emissoras de rádio e televisão. Segundo
a Lei 9.294 (1996), propagandas de incentivo ao consumo de álcool só podem ser
exibidas das 21h às 6h e não devem estar associadas à ideia de maior êxito e
desempenho em qualquer atividade, como esporte, condução de veículos ou
sexualidade.
A Sociedade Brasileira de Pediatria ressalta, contudo, que no
Brasil a falta de aplicação da lei e a permissividade das famílias têm
estimulado o consumo precoce de álcool. “É absolutamente indispensável que o
governo e as escolas estejam mais atentos e ampliem suas ações, porque ainda
são incipientes. É necessário que seja proibida a propaganda do álcool na TV, a
venda de álcool para menores de 18 anos, que seja proibida toda essa veiculação
de beleza com cerveja, porque cerveja também é álcool”, alerta Luciana Silva.
Recomendações e prevenção
Diante das graves consequências do uso abusivo do álcool na
infância e na adolescência, a Sociedade Brasileira de Pediatria faz diversas
recomendações aos médicos, educadores e familiares. Entre outros pontos, a
entidade defende o fortalecimento da articulação entre as áreas de saúde e de
educação para promover ações que estimulem hábitos mais saudáveis.
A SBP destaca a participação escolar, dos médicos e a
estruturação do ambiente doméstico como estratégias de proteção da criança e do
adolescente. Por meio do diálogo e do estabelecimento de limites, a família, o
pediatra e educadores podem ser agentes relevantes na prevenção do alcoolismo
precoce, segundo o guia.
Para a Sociedade Brasileira de Pediatria, a responsabilidade na
proteção dos jovens é compartilhada pelos pediatras, que podem orientar os
pacientes não só com questões relacionadas à saúde, mas também à educação e ao
comportamento. O guia recomenda que, durante as consultas, o profissional se
mostre aberto às dúvidas e aos questionamentos dos jovens e a ouvir as demandas
dos pacientes sem julgá-los, além de trazer esclarecimentos e apontar caminhos
de prevenção. “Os pediatras têm papel como educadores e orientadores das
famílias, no sentido de mostrar as consequências reais e os danos a curto e
longo prazo”, acrescenta a médica.
Aos pais e familiares, a SBP recomenda a não ingestão de álcool
durante os períodos de gestação e amamentação, a não exposição de crianças ao
uso de bebidas alcoólicas em festas familiares ou outras situações sociais e,
principalmente, a orientar e conversar com os filhos sobre os riscos do consumo
precoce.
As recomendações incluem ainda a responsabilidade dos gestores
públicos, nas esferas municipal, estadual e federal, principalmente na
restrição da oferta de bebidas aos adolescentes e no aumento da fiscalização da
idade mínima, de 18 anos, permitida para beber. Os especialistas sugerem o
aumento de impostos e dos preços das bebidas, bem como a proibição das
propagandas alusivas, além de investimento maciço em projetos de prevenção nas
escolas, na promoção de hábitos saudáveis e de valorização da vida, entre
outros.
Seguindo as diretrizes da Organização mundial da Saúde, a SBP
sugere que a questão do uso do álcool e das drogas seja tratada como um
problema de saúde pública. “Para nós, é indispensável o acesso à informação.
Precisamos de medidas mais sérias, vindas do governo e de campanhas nas escolas,
para que as crianças e os adolescentes se informem de que não devem se expor a
volumes muito grandes de bebidas e drogas nessa faixa etária, destaca Luciana
Silva.
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