Foto: Istok |
Fonte: Metrópoles
Grande parte dos nossos sofrimentos se
atenuam quando são ditos. Essa é, inclusive, uma das premissas da psicoterapia:
as palavras dão um novo corpo ao mal-estar que nos habita. E, à medida em que
falamos, damos também voz àqueles personagens interiores que nem sempre
encontram canais de expressão.
Desde
2014, temos no mês de setembro o marco para nomear um silêncio incômodo e
altamente prejudicial: o suicídio. Encabeçada pelo Centro de Valorização da
Vida, a campanha Setembro Amarelo visa sensibilizar a população a respeito
desta que é uma das principais causas de morte no país – são 32 brasileiros a
cada dia, mais que as vítimas de Aids e de muitos tipos de câncer.
Esse número
é uma estatística fria para ilustrar uma realidade dolorosa. Um suicídio não
mata uma pessoa. Mata várias. Dezenas. Familiares, amigos, meros conhecidos.
Todos são atingidos por uma questão incompreensível, o tabu dentro do grande
tabu humano: a morte.
Por esse motivo, a imagem do
suicida perturba tanto: é um misto de pena profunda com raiva intensa. É
difícil admitirmos o escape como uma saída, por representar uma falência diante
dos propósitos da vida. É uma dor que contamina, enraíza, gera frutos. O maior
deles: a culpa.
Quando acompanhamos de perto uma dessas histórias,
vemos o impulso incontrolável dos que ficaram de tentar compreender, ou de
apontar razões que teriam determinado a mais extremada das atitudes. E as
respostas são vagas, subjetivas, insuficientes. Não teria como ser diferente.
O
indivíduo que recorre ao suicídio sente que somente a morte é capaz de desatar
o nó. Seja para exterminar ou apaziguar a angústia que o acompanha. Recorre a
uma vivência concreta por lhe faltar a capacidade para promover uma morte
simbólica."
O símbolo é o caminho encontrado pela psique para
compreender, assimilar e transformar as nossas vivências. É a linha que conecta
os pontos, que dá algum significado para aquilo que soa dissonante – até mesmo
para as situações insuportáveis, os nossos traumas.
Entretanto, nem sempre esse mecanismo funciona
plenamente. A nossa capacidade de significação, de produzir símbolos capazes
saciar nossas inquietações pode ser perturbada por uma série de fatores:
cerebrais, psíquicos, sociais, culturais. Nem todos suportam a pressão.
Segundo a Organização
Mundial de Saúde (OMS), nove a cada 10 suicídios seriam evitáveis caso o
sujeito tivesse recebido a assistência necessária. É um número muito
significativo, é muita tragédia que poderia ser evitada. Aí entra a função da
escuta.
Falar, falar, falar. Até o esgotamento, até achar
que não há mais nenhuma palavra a ser dita, ou lágrima a ser chorada. Jogar
tudo sobre o tapete, tomar uma certa distância, e ver como as coisas se
conectam. Atribuir emoções correspondentes, ver como tudo se contextualiza.
Tentamos assim encontrar um sentido na teia de
linhas que se formam. E assim as mortes concretas se convertem em mortes
simbólicas. Também conhecidas como transformações e, em muitos casos, na
realização de si mesmo.
A prevenção do suicídio não é trabalho só para
terapeutas e psiquiatras. É dever social de cidadão. Dialogar sobre o assunto
ajuda a diminuir a mística que o envolve, além de abrir em nós os canais da
empatia. Afinal, ninguém está a salvo de ser tocado pelos resultados desse
silêncio nefasto.