André Borges/Agência Brasília
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Carolina
Samorano/Metrópoles
O iminente surto de febre amarela que ronda algumas regiões
do país – a Sudeste, principalmente – gerou uma imensa corrida dos brasileiros
aos postos de vacinação. Horas de espera depois, no entanto, muitos voltam para
casa com os braços intocados. Quando veem um carimbo do antígeno já constando
nas carteirinhas, os profissionais de saúde avisam: uma única dose, recebida em
qualquer momento da vida, deve ser suficiente para garantir que o paciente não
entre para as estatísticas da doença. Próximo da fila.
Isso porque, desde abril do ano passado, o Ministério da
Saúde decidiu abolir a dose de reforço do calendário de vacinação nacional. Em
vez de uma a cada 10 anos – ou duas por toda a vida, segundo regia o esquema anterior
à atualização –, a conclusão da pasta foi de que a dose adicional não é
necessária para blindar o sujeito contra a febre amarela.
Não é raro, no entanto, encontrar pelas filas gente em
busca da segunda, terceira ou quarta vacina contra a virose, sob o argumento de
que “cuidado nunca é demais”.
Vacina
1 x 0 Teorias
No mesmo passo em que sobe o número de casos, aumentam
também as “teorias da conspiração” contra a medida do governo. Segundo a mais
repetida delas, a decisão teria se baseado em um temor de os estoques não darem
conta da demanda mundial.
Afinal, aquela única dose tomada ainda na infância, que
consta na sua carteira de vacinação, é suficiente para proteger você de um
eventual surto da doença, mesmo tantos anos depois? O Metrópoles consultou
especialistas não vinculados ao governo, em busca da resposta.
O epidemiólogo Pedro Luiz Tauil, professor da Universidade
de Brasília (UnB) e um dos maiores especialistas em medicina tropical do país,
não considera errada ou irresponsável a decisão das autoridades brasileiras,
mas reconhece que a extinção da segunda dose “não é consenso” na comunidade
médica.
Antigamente, se fazia uma dose a cada 10 anos. Mas a vacina
é difícil de ser fabricada, é antiga, de tecnologia obsoleta, e os laboratórios
talvez não se interessem em produzi-la, porque é um produto barato"
Pedro Luiz Tauil, especialista em medicina tropical
Lote
importado
Hoje, a Bio-Manguinhos/Fiocruz, no Rio de Janeiro, é a
maior fabricante do mundo do imunobiológico. A francesa Sanofi Pasteur também
produz uma versão no exterior, que geralmente é a disponível nas clínicas
particulares. Diante do aumento da demanda, na última quinta-feira (18/1), a
farmacêutica teve o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
para importar um novo lote do produto, com rótulo em língua estrangeira.
Segundo a empresa, a produção teve um aumento de 300% em 2017, na comparação
com o ano anterior.
“Diante da escassez e de evidências de que a proteção com
uma dose era segura, o ministério seguiu uma recomendação já antiga da
Organização Mundial da Saúde (OMS)”, explica Tauil. “Porém, não é consensual.
Existem registros de pessoas infectadas com vacinas com mais de 10 anos. Mas
são pouquíssimos casos. É como se o governo falasse ‘vamos então garantir que
todos os brasileiros recebam, pelo menos, uma dose’”, comenta.
A recomendação citada pelo especialista foi publicada em
uma revisão da OMS de 2013. “Uma única dose da vacina de febre amarela é
suficiente para sustentar uma proteção por toda a vida; uma dose de reforço não
é necessária”, diz a publicação do órgão.
Meses após o anúncio da OMS, um estudo publicado no Travel
Medicine Journal questionava a recomendação, sob o argumento de que as
evidências eram “limitadas”. “Ainda que a eficácia da vacina não esteja em
dúvida, o anúncio é um pouco surpreendente, já que há limitações na base de
evidências e, mais importante, porque ele não é acompanhado de nenhuma mudança
iminente na regulamentação internacional”, escreveram as autoras.
À reportagem, Hilary Simons, enfermeira britânica
especialista em medicina do viajante e uma das responsáveis pelo artigo, disse
estar acompanhando a evolução da febre amarela no Brasil, mas afirmou não se
sentir à vontade para comentar a decisão brasileira.
Crianças
menores de 2 anos
A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), por sua vez,
não questiona a decisão do governo, de podar os reforços da vacina contra a
febre amarela. Segundo a presidente da SBIm, Isabella Ballalai, justamente por
ser o maior produtor do antígeno no mundo, o Brasil adiou o máximo que pôde a
atualização do protocolo de vacinação.
A gente podia se dar a esse luxo porque somos o principal
fabricante”, comenta a especialista. “Justamente porque somos autossuficientes,
o governo decidiu esperar resultados de pesquisas da Fiocruz até tomar a
decisão, quatro anos depois de a OMS recomendá-la"
Isabella Ballalai, presidente da Sociedade Brasileira de
Imunizações
Ballalai reforça ainda que, além das evidências
demonstradas em estudos, a vacina em dose única tem se provado eficaz na
prática. “Quem adoece, em geral, é quem nunca tomou. Não temos vacinados que
adoeçam”, comenta a médica. No entanto, há uma situação para a qual a medida
encontra obstáculos: as crianças menores de 2 anos.
“Sabe-se que a resposta da vacina no sistema imunológico de
crianças dessa idade não é a mesma observada em adultos ou crianças mais
velhas. Por isso, a segunda dose para quem tomou a primeira aos 9 meses ainda é
a parte sobre a qual não há consenso. Para os adultos, não conheço quem questione
a decisão do governo, de dose única”, sublinhou a especialista. Segundo ela,
mesmo que seja em caráter de “emergência”, a decisão do Ministério da Saúde não
é “irresponsável ou insegura”.
Por outro lado, Pedro Luiz Tauil acredita que, num cenário
futuro hipotético, no qual a produção da vacina aumente, a segunda dose de
segurança pode voltar às carteiras de vacinação. “Em um país endêmico como o
Brasil, a medida está adequada. Mas, no momento em que se tenha maior oferta, é
possível que a vacinação a cada 10 anos volte”, disse.
Na tarde desta sexta-feira (19/1), a Secretaria de Saúde de
São Paulo confirmou três mortes em decorrência de reações adversas à vacina. A
suspeita é de que tenha ocorrido falha na triagem das pessoas, antes da
vacinação. O imunológico é contraindicado em alguns casos, como para alérgicos
aos componentes da dose (ovo, por exemplo) ou para pessoas imunodeprimidas por
doença ou uso de medicamentos. Confira abaixo quem não deve ser vacinado: