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Foto: Reprodução |
Bruno
Wendel/Correio 24h
*Colaborou Milena Teixeira
Todo mundo já ouviu a frase “fulano foi preso e vai virar
mulherzinha na cadeia”. O ódio ao estuprador faz parte de uma lei não escrita
no xadrez. Os presos acreditam que o acusado por estupro é uma ameaça a suas
mulheres e filhas que estão lá fora e que o crime é tão vil que a “justiça”, na
concepção dos detentos, é feita ainda dentro das celas.
Ao que tudo indica foi o que aconteceu com dois dos cinco
detidos pela morte de um casal – a mulher foi estuprada várias vezes – em
Camaçari, Região Metropolitana de Salvador (RMS). Um vídeo que circula nas
redes sociais mostra os dois presos sendo obrigados a ter relações sexuais
entre si. Segundo a família de um dos acusados, a imagem foi feita por outros
presos custodiados na 18ª Delegacia (Camaçari).
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) confirmou que os
vídeos foram gravados no local e que um inquérito foi aberto para apurar as
circunstâncias e responsabilidades do ocorrido.
Daniel Neves Santos Filho, 29 anos, e Carlos Alberto Neres
Júnior, idade não divulgada, únicos adultos envolvidos na morte do casal
Juvenal Amaral Neto, 57, e Kelly Cristina Amaral, 44 – achado enterrado no
quintal da própria casa no dia 8 deste mês – são protagonistas de uma barbárie
ocorrida e registrada como troféu dentro do xadrez. A dupla e mais três
adolescentes – um deles filho de Carlos Alberto – foram capturados pela polícia
no dia 9.
Imagens
São dois minutos de cenas chocantes. O ambiente degradado,
com pichações e mofo, indica ser mesmo uma cela. Nas primeiras imagens, Daniel,
de camisa azul, é o primeiro a ser execrado por pelo menos dois outros homens,
também custodiados na unidade. Ele é obrigado a praticar sexo oral em Carlos
Alberto, que usa uma camiseta branca. Ao fundo, a voz de um homem diz: “fale:
‘eu sou estuprador’” e dá um tapa nas costas de Daniel, que logo em seguida
repete: “eu sou estuprador”.
O mesmo homem diz o que acontece ali: “É assim que a gente
faz na cadeia”. Ele mesmo manda Carlos Alberto dar uma bofetada no rosto de
Daniel e ordena: “Chama ele de safadinha, de gostosinha”. E uma segunda voz no
vídeo diz: “Estuprador safado tem que ch... um do outro para se compreender”.
Logo após, é a vez de Carlos Alberto ajoelhar-se à cintura
de Daniel, que leva um soco no estômago. “Vai, chama ele de safadinha, dá tapa
na cara dele”, diz um dos agressores e Daniel acata as ordens debaixo de mais
porrada. E a barbaridade não para por aí. Daniel é obrigado a ficar de costas e
abaixar a bermuda, momento em que lava quatro tapas nas nádegas. “Tira a roupa,
vai, descarada”, afirma um dos agressores.
Sofrendo mais agressões físicas, Carlos Alberto introduz a
língua no ânus de Daniel, que também apanha. E é chegada a vez de Daniel fazer
o inverso. Nessa hora, os agressores, em tom de deboche, cantam em coro um
trecho de “Malandramente”, funk de MC Nandinho: “Ah, safada, na hora de levar
madeirada...”.
Parentes
A gravação, que foi feita através um aparelho celular,
chegou ao conhecimento do irmão de Carlos Alberto.
“Não assisti até o final. É muito forte. Os presos diziam
que ‘era assim que fazia com estupradores’. Foi repugnante, colocando um com o
outro, fazendo aquelas cenas horríveis”, disse ele ao CORREIO, na manhã desta
sexta-feira (12), em frente à 18ª Delegacia.
Ele, a irmã e uma tia chegaram cedo à unidade policial para
pedir que o preso fosse separado dos demais. “Mas quando chegamos aqui, ele não
estava”, disse a tia, que logo em seguida assistiu à transferência dos três
adolescentes – entre eles, o filho de Carlos Alberto – para a Comunidade de
Acolhimento Sócio-Educativo (Case), no bairro de Tancredo Neves, em Salvador.
"Nós não apoiamos o que eles fizeram com o casal, mas
o que fizeram com eles também não foi humano. Não eram para colocar eles com
outros presos. Tinham que ficar em celas separadas. Deixassem que a Justiça
cobrasse deles, não se fazer justiça na própria delegacia”, disse a tia de
Carlos Alberto.
A família não tem dúvida de que as imagens foram feitas de
dentro do xadrez da 18ª Delegacia. “Naturalmente, tinha um celular na cela. E
como os policiais não viram e ouviram aquilo”, questiona revoltada a tia. “Eles
já tinham sido presos e eles (agressores) repetiam: ‘Isso é o que se faz na
cadeia com estupradores’. Eles estavam dentro da delegacia, não temos dúvida”,
completou a irmã de Carlos Alberto. Antes do crime contra o casal, ele já tinha
passagem por outro homicídio. Segundo as investigações, foi ele quem enforcou o
casal.
Corregedoria
A família disse que vai levar o caso à Corregedoria da
Polícia Civil. “A nossa família vai se reunir e vamos tomar providências. A
gente vai na Corregedoria da Polícia Civil. Isso não vai ficar assim”, adiantou
o irmão.
A assessoria da SSP informou que o inquérito também vai
apurar o uso de celulares por detentos, dentro da unidade policial.
A delegada Maria Tereza, da 4ª Delegacia de Homicídios
(DH), em Camaçari, para onde os acusados foram levados logo após serem presos,
antes de ser transferidos para a 18ª Delegacia, não quis comentar a divulgação
do vídeo, mas afirmou que tinha acabado de chegar do Instituto Médico Legal
(IML), onde disse ter descoberto que os envolvidos na morte do casal
"praticaram até canibalismo".
A delegada Thais Bandeira, titular da 18ª Delegacia, onde o
incidente ocorreu, disse que não vai comentar o caso.