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Nilson
Marinho, do Correio 24 Horas
Algo não está bem. Uma lesão talvez tenha atingido o
fígado. É hora das células hepáticas entrarem em ação e reparar o dano no
órgão. Para isso, elas se multiplicam em centenas, milhares. O problema é que
as células hepáticas, quando multiplicadas de forma excessiva, sem freio,
podem, em alguns casos, transformar a pequena lesão em algo bem pior: um tumor,
desenvolvendo no paciente o carcionoma hepatocelular (CHC), popularmente
conhecido como câncer de fígado. O excesso
de álcool é a principal causa desse tipo de câncer.
Foi o caso da empresária Verônica Anjos, 56 anos. Moradora
de Salvador, ela passou dez anos vivendo em São Paulo e só descobriu que estava
com o câncer no fígado quando mudou de cidade e de emprego. "Tinha uma
vida ativa em São Paulo mas nunca preocupei com a saúde. Tive hepatite B na
adolescência e depois comecei a beber compulsivamente. Passei mais de 15 anos
vivendo como uma pessoa alcóolatra. Quando mudei de cidade e fui fazer exames
na nova empresa que iria trabalha descobri uma lesão no fígado que, pelos
exames mais aprofundados, era o câncer em estágio avançado. Faço tratamento
desde janeiro deste ano e ainda estou longe da cura", explica.
No mundo, o câncer de fígado é o 5° mais comum entre os
homens e o 7° entre as mulheres. De acordo com um levantamento realizado pelo
Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), esse é o
terceiro tipo da doença que mais mata no mundo, contabilizando cerca de 700 mil
mortes ao ano. No Brasil, ainda de acordo com o levantamento, entre 2011 e
2013, 44 mil pessoas morreram em decorrência do carcionoma. Na Bahia, estima-se
que a doença atinge 2 em cada 100 mil habitantes. Neste domingo (08) é o Dia
Mundial do Combate ao Câncer.
Segundo o hepatologista do Hospital das Clínicas da faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (USP),
Flair José Carrilho, o carcionoma hepatocelular é a forma mais comum do
câncer de fígado, representando três quartos dos casos. Ainda segundo ele, a
doença, em alguns casos, começa apenas com um tumor, mas ele, com o tempo, dá
conta de se espalhar, inclusive, para outros órgãos. “Em todos os tipos de
tumores malignos do fígado, a doença pode sair do órgão e se espalhar para
outros locais, o que chamamos de metástase” explicou Flair durante uma coletiva
de imprensa promovida pela empresa Bayer, no mês passado, em São Paulo.
Doenças
bases
As lesões, as quais nos referimos no início desta
reportagem, são causadas sobretudo pela cirrose, que pode surgir pelo o uso
excessivo de álcool, pelos vírus das hepatites B e C - é preciso destacar-, ou
pelo acúmulo excessivo de gordura no órgão. Os pacientes, ainda de acordo com
os especialistas, recebem um diagnóstico tardio, não apenas para o câncer mas
como, também, para as doenças consideradas bases, as que geram a o
carcionoma.
Ainda de acordo com o Datasus, entre 2011 e 2015, 88% dos
pacientes com câncer de fígado que participaram de um levantamento, não haviam
sido diagnosticados antes com doenças de bases como a cirrose e as hepatites B
e C. O mesmo estudo revela ainda que 98% deles já tinham cirrose no momento que
receberam o diagnóstico do câncer, e 54% eram portadores das hepatites.
"Meu pai sempre bebeu muito durante a vida inteira,
mas nunca se cuidou. Quando ele ficou internado descobrimos que ele estava com
cirrose. Ele ficou internado por 129 dias antes de morrer. No meio do processo
do internamento descobrimos que ele estava com câncer de fígado. A morte dele
foi dolorosa", relembra Gessiane Santos Souza, 38 anos, filha de José
Raimundo que morreu aos 78 anos no ano passado.
Diagnóstico
O problema, aponta os especialistas, é que a doença é
considerada silenciosa, porém extremamente agressiva. Os pacientes já costumam,
inclusive, chegar aos consultórios para receber das mãos dos doutores o
diagnóstico da doença em um estágio mais avançado, quando tratamentos
disponíveis são poucos e as taxas de mortalidade elevadas.
Anelisa Coutinho, médica responsável pelo departamento de
tumores gastro-intestinais da Clínica AMO, alerta que a doença é silenciosa até
para aqueles pacientes que já sofrem com doenças crônicas do fígado ou cirrose.
Não apresentando nenhum tipo de sintoma, nada que os avisem que algo mais
complicado pode estar agindo no fígado.
“Por isso é tão importante que os pacientes que já são portadores
de doença crônica do fígado façam acompanhamento periódico com o especialista (
hepatologista , gastroenterologista ) e siga as recomendações para realização
dos exames de triagem para detecção precoce”, recomenda a médica.
Os sintomas só costumam mesmo aparecer no estágio avançado
da doença, quando os pacientes começam a sofre com fadiga, febre, dor
abdominal, perda de peso e anorexia. Uma simples ultrassonografia, por exemplo,
dessa feita durante qualquer exame de rotina é capaz de identificar a doença,
mas também cabe ao profissional ter a expertise de não deixar passar
despercebido qualquer sinal de alerta no órgão.
“O diagnóstico é dado principalmente através de um exame de
imagem, uma simples ultrassonografia, mas quem maneja o aparelho tem que ter a
metodologia para poder detectar. Nós temos um aparelho de ultrassom em cada
esquina deste país, mas precisamos ter profissionais preparados”, pontua o
hepatologista do Hospital das Clínicas. Após identificado algo errado com o
fígado por meio de ultrassom, o paciente deve se submeter a uma tomografia ou
uma ressonância magnética para comprovar a existência da doença.
Tratamento
O tratamento depende muito do estágio em que o tumor foi
identificado e da presença ou não de outras doenças. Em uma fase inicial, onde
o órgão ainda apresenta uma boa condição hepática, e o paciente não sofre de
cirrose e nem hipertensão, a remoção do tumor é o procedimento mais indicado e
com maiores chances de cura.
Há também como solução o transplante do órgão, mas nesse
caso o paciente precisa ter um único tumor e ele não deve passar de 5 cm. Caso o paciente tenha até três, eles
precisam ser de até 3 cm, desde que o câncer não tenha se espalhado para outros
tecidos. Mas esse procedimento, assim como remoção do tumor, só pode ser feito
quando o diagnóstico aponta um estágio inicial da doença.
Mas quando o tumor é intermediário, há ainda a possibilidade
de tratamento para a diminuição dele para que, posteriormente, o paciente possa
ser operado ou esperar na fila de transplante um novo fígado. Em fases mais
avançadas da doença, o medicamento quimioterápico oral é a única terapia
recomendada.
Desconhecimento
Um pesquisa realizada pelo Instituto Oncoguia, em parceria
com a empresa farmacêutica Bayer, em cinco capitais do Brasil (São Paulo, Rio
de Janeiro, Brasília, Porto Alegre e Recife) apontou que 53% dos entrevistados
afirmarem ter conhecimento sobre a doença, embora 61% deles não saber quais são
os principais sintomas. Já 59% ouvidos desconhecem os fatores de risco.
A pesquisa revelou ainda que 76% dos entrevistados
consideram o consumo excessivo de álcool com uma das causas do câncer de fígado
- o que é verdade. No entanto, 56% não relacionaram a doença com as hepatites B
e C.
“Estes dados nos mostram que a população precisa ter acesso
à informação sobre o que é o câncer de fígado, como é feito o diagnóstico e
quais são as opções de tratamento. Vemos que a maioria dos tumores é descoberta
depois do avanço da doença e isso tem impacto direto no uso das terapias e na
sobrevida dos pacientes”, ressalta Luciana Holtz, presidente do Instituto
Oncoguia.