Valor Econômico
Apesar de o adultério ter deixado de ser crime há mais de
uma década, maridos e mulheres infiéis continuam a responder pelas traições na
Justiça. Juízes vêm entendendo que o sofrimento causado ao ex-parceiro deve ser
compensado com o pagamento de danos morais. Especialmente nos casos em que a
pessoa tornou público o relacionamento extraconjugal, a ponto de humilhar ou
mesmo submeter o companheiro a uma situação de vexame.
Um marido que passeava com a amante em bares e
restaurantes e compartilhava fotos do casal nas redes sociais foi punido pela
Justiça em um processo recém-julgado. A mulher traída apresentou como prova,
além das fotografias, áudios encaminhados para um grupo do WhatsApp.
Na ação ela afirma que o seu estado emocional ficou
“extremamente abalado” e que teve uma gestação de risco agravada pelas
humilhações. A mulher teve um parto prematuro e o bebê morreu quatro dias
depois de nascer.
Para os desembargadores da 7ª Turma Cível do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), que julgaram o caso, o fato de o ex-marido
manter um relacionamento fora do casamento, por si só, não seria suficiente
para o pagamento de indenização. O problema para os magistrados foi a
exposição.
Segundo os desembargadores, a publicidade dada ao
relacionamento extraconjugal teria causado à mulher “um vexame social”, além de
ter gerado “humilhação que extrapolou o limite do tolerável”.
Os valores das indenizações, no entanto, não costumam ser
altos. Nesse caso que ocorreu no Distrito Federal, por exemplo, o marido infiel
foi condenado ao pagamento de R$ 5 mil. Em um outro, julgado pela Justiça de
Goiás, a mulher traída e os filhos do casal receberam R$ 15 mil ao fim do
processo de divórcio.
A mulher afirmou, no caso de Goiás, que o casamento havia
terminado em razão de um relacionamento que o ex-companheiro mantinha. Ela
detalha, dentre vários episódios, uma ligação recebida da amante durante uma
viagem com os filhos. Por telefone, a mulher teria descrito a mobília da casa
da família, insinuando estar no local, e contado sobre a perfomance sexual do
marido.
Segundo consta no processo, a esposa traída precisou
iniciar um tratamento com remédios de tarja preta e um dos filhos, em razão da
situação envolvendo a mãe, o pai e a amante, acabou enfrentando problemas na
escola.
O juiz que analisou o caso levou em conta, para
determinar o dano moral, que o Código Civil de 2002, no artigo 1.566,
estabelece como deveres dos cônjuges a “fidelidade recíproca” e “respeito e
consideração mútuos”. “O direito não pode obrigar ninguém a gostar de ninguém.
Amar não é obrigação, mas respeitar é”, afirma na decisão o magistrado.
Uma das indenizações mais altas, nesses processos
envolvendo adultério, foi concedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo
(TJ-SP) a um homem que traído pela ex-mulher foi enganado sobre a paternidade
do filho do casal. A 1ª Câmara de Direito Privado estabeleceu em R$ 30 mil o
valor dos danos morais.
A mulher, nesse processo, afirmou ter se relacionado uma
única vez com outro homem e disse que não sabia, até o teste de DNA, que o
ex-marido não era o pai da criança. Para os desembargadores pesou, ainda assim,
a questão da “falsa paternidade” e eles, de forma unânime, determinaram o
pagamento.
“A obrigação de pagar só surge em situações muito
vexatórias e que provocaram um abalo moral muito forte à pessoa traída”, diz a
advogada Daniela Soares Domingues, do escritório Siqueira Castro. “Não é a
simples traição que vai gerar o dano moral.”
A advogada chama a atenção que esse vem sendo o
entendimento majoritário de juízes e desembargadores desde 2013, quando o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou o tema (REsp 922.462/SP). A ação
havia sido ajuizada por um homem traído contra a ex-mulher e o amante dela. O
caso – assim como o do TJ-SP – também envolvia falsa paternidade.
Relator do processo, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva
afirma em seu voto que “a família é o centro de preservação da pessoa e base
mestra da sociedade” e que se deveria respeitar “a intimidade, a reputação e a
autoestima dos seus membros”. Justificou ainda, para condenar a ex-mulher, que
a omissão sobre a verdadeira paternidade do filho “viola o dever de boa-fé,
ferindo a dignidade do companheiro”.
Já com relação ao amante, o ministro entendeu que não
deveria responder de forma solidária ao pagamento porque “o dever de fidelidade
recíproca dos cônjuges, atributo básico do casamento, não se estende ao
cúmplice de traição”.
As redes sociais, segundo os especialistas, têm
contribuído para que um número maior de casos chegue aos tribunais. Não só pela
exposição, que poderia gerar o dano moral, mas porque mulheres e homens traídos
estão usando os registros como prova de que o adultério, de fato, aconteceu.
Luiz Kignel, sócio do PLKC Advogados, entende o
casamento, no entanto, como um “contrato de risco” e diz que é muito difícil
apurar quem tem culpa pelo fim do relacionamento. “Às vezes, aquele que causou
o divórcio teve uma atitude que quem agora se diz vítima já havia praticado em
uma outra oportunidade”, diz. “É por isso que o rompimento, por si só, não pode
gerar dano moral.”
Já para o presidente do Instituto Brasileiro de Direito
de Família, o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, esses casos de indenização
pouco tem a ver com o direito de família propriamente dito. Para o advogado,
apesar de envolver marido e mulher, os danos morais não estão relacionados ao
casamento, mas ao constrangimento pelo qual determinada pessoa passou.
O advogado entende que o Estado não pode entrar na
intimidade das pessoas e apontar, por exemplo, o culpado pelo fim do
relacionamento. “Houve um tempo em que só podia separar se tivesse motivo e se
a mulher fosse considerada culpada ela perdia direitos. Ela perdia o direito à
pensão alimentícia e até a guarda dos filhos. Só que o direito de família
evoluiu muito e hoje em dia não é mais assim.”