(Foto: Arquivo pessoal) |
Ponto pacífico que a corrida, como atividade física, traz
benefícios cardiovasculares e boa forma física. Mas, para mim, constitui
sobretudo uma atividade mental, o melhor remédio contra o estresse que
encontrei na vida. Pois correr, para quem se permite, é meditar em movimento.
O meu mantra emana do som da minha respiração e das minhas
passadas. À medida que os quilômetros passam, avanço para estados mentais de
foco e alívio de dores do corpo e da mente. Há apenas o agora em toda sua
intensidade.
Poderia observar as árvores da Floresta da Tijuca, as
curvas da estrada do Horto ao Alto da Boa Vista, o canto dos pássaros e o
burburinho dos ciclistas à minha volta. Mas, aos poucos, eles se fundem num
vazio e se tornam apenas um pano de fundo difuso. Chego a um lugar que me traz
conforto, nas profundezas da minha mente. E, por momentos, a corrida me
transporta para um estado de bem-estar mental, entre a graça e a euforia.
Essas sensações estão longe de ser raras. Muitos corredores
de longa distância as relatam, com as óbvias variações pessoais. Na verdade,
suponho que são comuns a todos aqueles quem não estão obcecados somente em
controlar ritmo e velocidade em busca de performance e se permitem a viajar no
melhor que a corrida tem a oferecer.
A corrida tem sido a minha melhor companheira numa longa
travessia, pois a vida é uma ultramaratona. Ficaram pelo caminho pequenos e
grandes percalços do dia a dia. Dores nos pés, na coluna, no estômago, de
amores, amigos, família, trabalho. Em cada dificuldade, foi na corrida que
encontrei o alívio, o foco, a concentração e a força para seguir em frente.
Em sua pequena obra-prima “Do que eu falo quando eu falo em
corrida” (no Brasil lançado pela Alfaguara, 2007), o escritor e
ultramaratonista japonês Haruki Murakami sintetiza o sentimento ao dizer que “a
maioria dos corredores não corre porque deseja viver mais, mas porque quer
viver em plenitude”.
Cada um tem o seu momento eureca de perceber que o ganho
mental da corrida pode ser ainda maior do que o físico. A minha prova cabal
veio no dia em que percebi que minhas melhores decisões e a melhora da
ansiedade que sentia no breve período em que decidi experimentar análise não
vinham das sessões, mas dos momentos em que ia e voltava correndo do
consultório do analista.
Chegava do trabalho, punha os tênis e corria - em sentido
literal - para a sessão. Voltava da mesma forma. Numa dada noite, o analista
teve problemas e não pode comparecer. Dei meia volta e me senti tão bem quanto
quando fazia sessões. Não fizeram falta. E nunca mais voltei. Percebi que para
mim, a corrida era o principal agente modificador positivo. Eu já corria antes
e passei a correr ainda mais depois.
Nem para todo mundo será assim. Mas para mim funcionou,
talvez porque sempre tenha amado correr e seja uma pessoa de natureza ativa, em
busca de movimento. As ruas e as trilhas são o meu divã. A Floresta da Tijuca,
meu lugar favorito para correr, é o meu templo.
Hoje, a neurociência explica como a corrida ajuda a
combater o estresse, a ansiedade e a depressão. Mostra também que correr e
meditar levam aos estados mentais de foco, analgesia - o nome que a ciência dá
ao alívio da dor e a sensação de leveza - e êxtase por caminhos diferentes,
explica o neurocientista Ricardo Reis, chefe do Laboratório de Neuroquímica da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desportista convicto, Reis é um
ardoroso defensor dos benefícios da atividade física para a saúde mental.
Qualquer coisa, seja meditação ou corrida, que leve a
determinado gasto energético prolongado e sustentado, promove estados mentais
ligados à concentração, ao foco e à analgesia, diz o professor de neurociência.
As atividades intensas e prolongadas - como corrida,
ciclismo e natação de longa distância - fazem o corpo a suportar um estado
próximo ao da exaustão por horas a fio. O cérebro então precisa dar seu jeito.
E ele faz isso por meio da liberação de uma série de substâncias. Áreas
cerebrais como a ínsula, o córtex pré-frontal e o córtex cingulado anterior
ativam mecanismos ligados ao foco, à analgesia, à memória e à euforia. Essas
regiões se conectam à medula, que funciona como um rio por onde fluem as
sensações de dor e alívio, diz Reis.
Entram em ação também sistemas como o endocanabinoide e o
opioide, que fazem o corpo produzir compostos com ação muito semelhantes à dos
princípios ativos da maconha e do ópio, respectivamente. O sistema de
recompensa, o da dopamina, também se acende.
Nosso sistema opioide libera as endorfinas, velhas
conhecidas dos corredores, e suas primas menos famosas encefalinas e
dinofirnas. O sistema endocanabinoide inunda o corpo de anandamida e 2AG. Essa
poção química natural faz a sensação de dor diminuir ou desaparecer. E proporciona
algo próximo do que chamamos de estado de graça, de energia infinita e
felicidade genuína. “Vem daí o bem-estar quase religioso que experimentamos
durante e depois de uma atividade física”, explica Reis.
Toda a fisiologia do corpo humano muda com o exercício,
frisa o neurocientista. Ao correr, transformamos o corpo em instrumento para
tocar uma sinfonia de estados mentais positivos. Correr é usar as pernas para
mergulhar na alma.
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SAÚDE