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Ricardo Moraes/Reuters
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Calma e doce, Malala Yousafzai, ganhadora do Prêmio Nobel
da Paz de 2014, sabe como poucos ouvir atentamente histórias, sobretudo de
outras mulheres. Pela primeira vez no Brasil, a paquistanesa de apenas 21 anos,
completados na última quinta-feira, conquistou mais admiradores ao se
comprometer na luta pela educação de meninas no país. A jovem que se tornou
ativista depois de sobreviver a um atentado de talibãs que queriam proibir a
instrução feminina no Paquistão conversou com O GLOBO na manhã de ontem após
visitar a Academia Apple, um laboratório instalado na PUC-Rio pela gigante
americana, uma das empresas que financiam projetos da Fundação Malala para
estimular o aumento da escolaridade feminina no mundo. Acompanhada do pai,
Ziauddin Yousafzai, assessores e seguranças, ela defendeu o uso da tecnologia
para democratizar o acesso ao conhecimento e se disse inspirada pelas jovens
que conheceu na passagem por Rio, Salvador e São Paulo.
Que mensagem quer passar para as meninas
brasileiras? Elas sabem que é preciso estudar para ter um futuro melhor?
Em primeiro lugar, estou no Brasil para celebrar meu
aniversário de 21 anos. Luto pela educação de garotas em todo o mundo e no
Brasil há 1,5 milhão de meninas fora da escola. Elas precisam ter voz agora,
especialmente neste momento crucial da política do Brasil. Então, estou aqui
para ficar ao lado delas e ser uma ativista local, com foco na educação de
meninas e nas comunidades afro-brasileiras e indígenas. Estou muito empolgada
em investir nelas para passar uma mensagem especialmente direcionada às meninas
brasileiras.
Qual sua impressão das histórias que ouviu no
Brasil?
Conheci muita gente nesses últimos dias, de quase todos os
lugares, em encontros com a população indígena e com meninas afro-brasileiras
de favelas. Ouvi histórias de como elas superaram e ainda enfrentam as
dificuldades, sobre como há pessoas incríveis trabalhando para incentivá-las a
permanecer na escola, introduzindo atividades como fazer grafite, jogar futebol
ou praticar balé como forma de garantir que se mantenham engajadas com a
educação. É preciso encorajá-las a acreditar em si mesmas e a se concentrar em
seguir seus sonhos. Não podem se sentir fracas ou desestimuladas em relação a
tudo o que está acontecendo ao seu redor. Então, eu me inspiro em todas as
garotas brasileiras que conheci. Há esperança. Vamos conseguir alcançar o
objetivo de colocar todas as meninas do Brasil na escola.
Muitas brasileiras não conseguem estudar porque
engravidam cedo ou porque precisam trabalhar para ajudar a família. Como mudar
esse cenário? Como a Fundação Malala pode ajudar?
A base da nossa abordagem é investir em ativistas locais
por meio do programa que chamamos de Rede Gumakai. O nome vem do pseudônimo que
eu usava quando escrevia meu blog (no Paquistão) em meio às regras do Talibã
que proibiam meninas de irem à escola. Eu acredito em ativistas locais. Então,
no Brasil, vamos apoiar três ativistas que chamamos de “campeões Gumakai”. Eles
vão atuar em âmbito nacional e local não só promovendo nossos princípios, mas
também agindo para ampliar a conscientização sobre gravidez na adolescência, de
forma que essas jovens não abandonem a escola. Os “campeões Gumakai” também
terão foco em afro-descendentes e indígenas. Esperamos que através desses
projetos possamos garantir que as meninas não abandonem os estudos tão cedo. E
ainda aumentem a sua conscientização de que podemos tomar as medidas certas
para que meninas não sejam vítimas de violência sexual, assédio ou gravidez na
adolescência. Esperemos que, com os projetos, elas não apenas permaneçam na
escola, mas recebam uma educação de boa qualidade. Estou muito empolgada com
isso. E com a possibilidade de ajudar para que haja financiamento suficiente
para a educação e que o governo garanta escola para todas.
De que forma a tecnologia pode ajudar nesse
processo de educação e inclusão?
Acho que a tecnologia é, de certa forma, uma bênção. Se
usarmos da maneira certa. Depende de como podemos aplicar a tecnologia à
educação. Em campos de refugiados, por exemplo, aonde você não pode construir
uma infraestrutura, é possível usar tablets para ensinar crianças. Você pode
não ter bons professores, mas pode usar vídeos on-line para ter aulas com
professores dos EUA ou Reino Unido, que estão em outra cidade. Isso pode ser
feito no Quênia ou em algum lugar da Nigéria, por exemplo. A tecnologia pode
permitir acesso mais fácil aos recursos que estão disponíveis em livros para
pesquisas ou para professores em cursos. Há tantas academias on-line agora,
como a Khan academy (uma ONG educacional criada pelo educador bengali-americano
Sal Khan que oferece cursos na internet). Há esperança e nós vemos a geração
mais jovem focando nisso. Conheci garotos e garotas incríveis aqui na Academia
Apple (na PUC-Rio). Conheci projetos incríveis que aumentam (por meio de
aplicativos) a conscientização sobre doenças, por exemplo. Muitas meninas ainda
não sabem que existem mulheres matemáticas, engenheiras e cientistas e como
elas podem realmente fazer alguma coisa importante. É inspirá-las. Há muitas
garotas que, em certa idade, não têm nenhuma possibilidade de escolher atuar na
ciência ou na tecnologia. Então é bom ver que esses aplicativos estão em
desenvolvimento. Tenho certeza que trarão mudanças para o Brasil e ao redor do
mundo.
Sabia que era tão popular no Brasil?
Eu já acompanhava nas redes sociais. Muitas pessoas me
mandavam mensagens e cartões. Sabia que tinha apoio no Brasil. Mas, na verdade,
não esperava que as pessoas nas ruas falassem meu nome, chegassem perto de mim
e que teriam meu livro. Quando cheguei em Salvador e aqui, no Rio, conheci
tantas pessoas, especialmente meninas, que conheciam minha história e me
apoiavam. Fiquei um pouco impressionada com isso, e tão feliz por elas
acreditarem na causa da educação e saberem que muito precisa ser feito ainda
pela igualdade e empoderamento da mulher. Elas estão comigo e eu estou com
elas.