(Cenipa/Divulgação) |
Moradores de comunidades rurais, indígenas e quilombolas
são vítimas de intoxicação por agrotóxicos, aponta relatório da organização
Human Rights Watch, divulgado hoje (20) na capital paulista. A contaminação
ocorre quando há pulverização de plantações de forma aérea ou terrestre próximo
a casas e escolas.
Foram entrevistadas 73 pessoas intoxicadas em sete
localidades nos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Minas
Gerais, Goiás, Pará e Bahia. O levantamento foi realizado entre julho de 2017 e
abril de 2018. Para elaboração do documento, também foram ouvidos 42
especialistas no assunto.
O relatório concluiu que as pessoas que entram em contato
com os defensivos são intoxicadas de maneira aguda, apresentando náusea,
vômito, dor de cabeça, dormência e irritação dos olhos. Os sintomas coincidiam
com o momento da pulverização aérea ou por terra. Outra conclusão, a partir dos
relatos, é que as vítimas não denunciam por medo de represália dos grandes
fazendeiros, ricos e politicamente influentes.
Hugo dos Santos, professor de comunidades rurais em Rio
Verde, Goiás, foi vítima de um acidente há cinco anos dentro de uma escola em
que trabalhava. Na ocasião, um avião despejou defensivo sobre o local,
atingindo diversas crianças. De acordo com ele, as lavouras ficam muito
próximas à escola, sendo atingida especialmente durante a safra no final de
outubro.
“Eu estava no estacionamento e fiquei molhado de
agrotóxico. Do lado, tem uma quadra, ficou toda molhada, como se fosse uma
garoa. Eu presenciei as crianças se debatendo, se coçando, pedido socorro,
pedindo para não deixá-las morrer. Eu levo essas cenas comigo”, disse,
acrescentando que sentiu “falta de ar, a boca seca e dor de cabeça
insuportável, uma sensação de morte”. Entre as crianças contaminadas, ao menos
uma desenvolveu cirrose hepática, disse o professor.
Legislação
Richard Pearshouse, diretor da Divisão de Meio Ambiente da
entidade, disse que a legislação brasileira é falha. De acordo com ele, não
existe regulamentação proibindo a pulverização terrestre próximo a áreas
sensíveis, como instituições de ensino e residências. “É chocante que seja
permitido pulverizar agrotóxicos ao lado de escolas”. A pulverização aérea tem
limitação para ocorrer a 500 metros de locais sensíveis, regra constantemente
ignorada, constatou o estudo.
Na Câmara dos Deputados, uma comissão especial aprovou no
dia 25 de junho o Projeto de Lei 6299/02, que flexibiliza o uso de agrotóxicos
no país. O texto depende de avaliação dos plenários da Câmara e do Senado para
ir à sanção do presidente da República. Na avaliação do diretor da Human Rights
Watch, essa lei é ruim para o país. “Em vez de enfraquecer a legislação de
agrotóxicos, o Brasil deve aumentar a fiscalização e estabelecer redução dos
agrotóxicos altamente perigosos. O Brasil é um dos maiores mercados de
agrotóxicos do mundo”, disse.
Richard não concorda que o projeto de lei traga
modernização à legislação brasileira. “A lei tem 30 anos, mas seus elementos
são modernos. Inclui uma avaliação de perigo, que foi adotada recentemente pela
União Europeia, ou seja, outros países estão adotando as leis do Brasil que
foram aprovadas há 30 anos”, disse.
Defensivos
proibidos
O relatório aponta que entre os dez agrotóxicos mais
utilizados no Brasil estão quatro que já foram banidos na Europa. Um deles, é o
atrazina, usado em plantações de milho, cana-de-açúcar e sorgo. O especialista
disse que estudos comprovam prejuízo ao sistema endócrino, sobretudo em
crianças e adolescentes.
Richard disse que a Europa proibiu o atrazina por sua
persistência na água para o consumo humano. Apesar de não ser monitorado
adequadamente no Brasil, segundo ele, foi constatada presença da substância
nociva em 75% das amostras das águas brasileiras. As amostras estavam em níveis
acima do permitido na Europa, mas dentro do padrão adotado pelo Brasil.