Agência
O Globo
— Nos últimos anos ouvimos falar muito dos famosos superalimentos, uma glamourização de alguns ingredientes. Acredito que todos os alimentos podem ser super. Um abacate, além de delicioso, é rico em vitamina B3, fundamental para nos sentirmos bem. Um espinafre é rico em folato (vitamina do complexo B), que ajuda a evitar depressão. Sem falar em chocolates de qualidade que são cheios de triptofano — comenta Marcos, que cria pratos vegs para agradar a todos, com opções como o hambúrguer de grão de bico com guacamole e gelatina de sweetchilli, molho barbecue, batatinha calabresa com creme de castanhas, alho poró e ervas e milho assado com molho de pimentão defumado ou ainda a sobremesa torta musse de cacau crocante.
Uma mordida em um maracujá pode ter tantos poderes quanto
uma pílula calmante. Beber uma xícara com infusão de lavanda pode funcionar
como uma meditação. Um quadradinho de chocolate amargo tem a capacidade de
relaxar o corpo. A lista é grande e os poderes calmantes de certos alimentos,
potentes.
Em lugares onde estar calmo é fundamental, como em
mosteiros budistas, ser cozinheiro é uma das funções mais importantes. É
preciso ser um monge com alta elevação espiritual para poder comandar a cozinha
em que se pratica a culinária Shôjin, cheia de regrinhas que, conforme os
monges garantem, deixam a vida mais leve. Só entram vegetais orgânicos e
sazonais, não pode haver desperdícios, é preciso ter alimentos nas cores
amarelo, branco, verde, vermelho, preto (ou roxo) e marrom, reunir os sabores
ácido, picante, amargo, salgado e doce e, entre os mais tradicionais, não se
podem usar alho e cebola. Na hora do preparo, silêncio e concentração,
igualzinho como acontece em uma prática de meditação. Seguir algumas dicas de
um lugar onde vivem pessoas tão calminhas pode ser um caminho para quem procura
estar mais tranquilo.
Foto: Reprodução |
Para a nutricionista e psicóloga Julia Masset, alimentar-se
é fazer uma conexão com o corpo e entender o que pode estar acontecendo com
ele.
— É preciso prestar muita atenção na digestão. Funciona
como um termômetro do nosso humor, da nossa saúde, do nosso bem-estar — avisa
ela, que, recentemente, deu uma palestra sobre nutrição de corpo e alma para
mostrar como se alimentar é mais do que apenas “matar a fome”. — É preciso
perceber o ritmo, as quantidades, os horários, as vontades. Tudo isso quer
dizer alguma coisa mais profunda e não apenas a necessidade de nutrir o corpo.
Um hábito que eu indico é ficar em silêncio por algum tempo, pode ser cinco
minutos, e prestar a atenção em cada órgão do corpo.O que está leve e o que
está incomodando.
Entre os alimentos que dão aquela acalmada no corpo, ela
lista as castanhas (“Por terem muito zinco, conseguem mexer no nosso estado de
espírito”), a camomila (“Uma infusão que proporciona a sensação de
tranquilidade”) e o cacau (“Ele é rico em triptofano, aminoácido que estimula a
produção de serotonina, neurotransmissor capaz de nos fazer felizes”).
A chef e pesquisadora Inês Braconnot alerta que, para
começo de conversa, é preciso se alimentar com orgânicos e se forem consumidos
crus, então, melhor ainda.
— Uma alimentação balanceada combina 80% de vegetais crus e
20% do que você quiser. Fazer uma boa salada, investir em um molho bacana já é
um primeiro passo. Verdes crus acalmam, fazem bem ao corpo. Se for beber
durante a refeição, nunca opte por algo gelado, que dificulta a digestão — ensina
Inês.
Os probióticos, que estão em alta muito por causa do
kombucha e do kefir, são aliados também no bem-estar do corpo. Esses
fermentados ajudam a eliminar toxinas. Quem coloca esses fermentados na rotina,
sente a sensação de leveza em alguns dias.
— Hoje, pode-se produzir tanto em casa quanto comprar de
boas marcas. Tem kombucha em quase todas as lojas de produtos naturais. Outro
hábito que acalma o corpo é beber a famosa água morna com limão ao acordar.
Ainda coloco uma pitadinha de flor de sal para nutrir o meu corpo com minerais,
e invisto na cúrcuma — diz Inês.
A escritora e jornalista Ana Holanda comanda o curso
“Cozinha de memórias”, na School of Life, em São Paulo, em que fala da relação
direta entre o que comemos e o que sentimos. Ela destaca que, além da ação
nutricional de cada alimento, existe também a narrativa que aquele ingrediente,
prato ou sabor pode ter na vida de cada um.
— Eu proponho olhar a comida além dela. A comida está
ligada a memória e afeto. Algo leve pode ficar pesado diante de alguma
experiência anterior. E vice-versa. Existe um entendimento que vai além da
quantidade de nutrientes que é preciso levar em consideração. Uma refeição pode
ser um momento de autoconhecimento. É muito importante ter presença enquanto se
alimenta — diz Ana.
No restaurante vegetariano Prana, no Jardim Botânico, o
chef Marcos Freitas investe em um menu que equilibra os ânimos e deixa as
pessoas preparadas para as aulas de ioga ou meditação, que acontecem no andar
superior da casa. O segredo, segundo ele conta, está em destacar a simplicidade
dos sabores.
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A nutricionista Patricia Davidson avisa que é preciso focar ainda em ingredientes que ajudam no relaxamento muscular. Couve, brócolis, sementes de gergelim, sementes de mostarda e quiabo são alguns deles.
— Além disso, abacate, castanhas, sementes de abóbora, banana e amêndoas diminuem a ansiedade e melhoram o humor. Para os hormônios ficarem em harmonia, é preciso colocar ovos, carne bovina e peixes. Dormir bem também está no topo da lista de hábitos que relaxam e que podem ser melhorados a partir da alimentação. Sementes de chia, linhaça e nozes são ricas em Ômega 3, um ácido graxo importante para a produção de melatonina, GABA e triptofano, substâncias que são essenciais para o relaxamento, a indução e o aprofundamento do sono. Sempre tenha algum deles na sua alimentação — lista Patricia.
O endocrinologista Theo Webert indica ainda óleo de lavanda, bálsamo de limão (é uma folhinha que parece um hortelã) e extrato de ashwagandha, um nome difícil para o ginseng indiano, famoso por ajudar a dormir e, ao mesmo tempo, dar energia.
— Estudos mostraram que o uso da ashwagandha tem efeitos de alívio da ansiedade semelhantes aos do calmante Lorazepam. A L-teanina, que é um aminoácido solúvel em água, pode ser encontrada no chá verde, no chá preto ou como suplemento, ajudando a reduzir o estresse e a ansiedade e não causando sonolência — comenta Theo.
Pode-se dizer que a indiana especialista em alimentação Ayurveda Nisha Manikantan é uma craque em bem-estar. Ela ensina que no café da manhã é bom comer um mingau morninho de cereais (trigo, trigo sarraceno, arroz, painço ou aveia) com frutas salpicadas. Antes do almoço, a dica é um pedacinho de gengibre para aumentar a “Agni”, força responsável pelo bom funcionamento da digestão.
— Use especiarias naturais, como cominho, pimenta preta, canela, cardamomo, coentro, manjericão e o que mais você gostar. Eles não só deixam a comida mais saborosa como ajudam o corpo a absorver os alimentos. Tomar leite fervido com passas ou tâmaras na hora de dormir melhora o sono. E, se puder, evite carnes, que são ácidos por natureza e podem produzir toxinas no organismo — ensina Nisha.
É tão bom saber que a leveza e a calma podem estar logo ali, na geladeira
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