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Mônica
Raouf El Bayeh, Agência O Globo
A vida não é fácil. Para ninguém. Olhando de longe pode
parecer. A grama do vizinho é sempre mais verde que a nossa. Mas cada um é que
sabe o peso que carrega. A dor que isso lhe traz.
No geral a gente suporta. Dá um jeito. Reza. Pede a Deus
que ajude. E a fé empurra a vida. Mas cansado? Sem forças? Às vezes, nem isso
dá. Tem horas que a alma mingua. E o desespero toma conta de tudo. Esse é nosso
primeiro sinal de aleta.
1- O desespero. Um tsunami de emoções
O desespero vem como um tsunami. Invade. Devasta. Agrava a
aflição reinante. Esmaga a alma. Inunda tudo em volta. Uma angústia amarga e
insuportável paralisa qualquer ação. A pessoa se vê sem saída. É a treva.
Não há esperança. Nem perspectiva de melhora. O sofrimento
parece que veio para ficar de vez. Será eterno. Não há propósitos. Nem planos
de vida. A fé? O tsunami arrastou com ele.
2- Ruminação intensa de pensamentos e afetos
A pessoa remói mágoas e afetos. Busca erros, mágoas
recentes e do fundo do baú. Se sente vítima. Da vida, do acaso, dos que ela
acha que não colaboraram. Ou não se importaram o suficiente. Se ressente
achando que ninguém se importa com ela. Rumina perdas e rancores. Muitas vezes
mostra raiva. Outras, só tristeza. Porque tristeza, a gente aprende, é muito
melhor aceita que a raiva.
3- A impotência frente à vida
A tristeza desce como nevoeiro. Cobre o bom senso. Não
permite que se enxergue o caminho à frente. Tudo fica confuso. Sem nitidez. A
apatia dá o tom do momento.
A pessoa se culpa. Acha que prejudica as pessoas amadas. Se
sente inadequada. Um peso. Se envergonha de tudo. Do que faz e julga errado. E
do que deveria, mas não consegue fazer.
O tumulto dos afetos devora a energia de qualquer um.
Irritado. Ansioso. Explosivo, algumas vezes. O medo de perder o controle é
enorme. Cansado. Abatido. Sem forças para lutar. Nem para resistir. A guerra
está perdida. Ele é prisioneiro da dor. Refugiado de si mesmo.
Se retira. Se isola. Evita encontros. Some dos amigos, dos
vizinhos, da família. A sensação é de vácuo. Um vazio de alma.
4- Alterações dos hábitos
Desleixo geral. A pessoa já não liga para nada. Toca o
dane-se. Não liga para banho. Escovação de dente. Cortes de cabelo. Barba. A
higiene pessoal em geral fica um lixo. Quem está em volta reclama. Fala. Ela
não atende. Ou atende de má vontade.
Descumpre ordens médicas. Não toma a medicação adequada. Ou
toma mais do que deveria. Não se cuida. Passa a comer demais. Ou o contrário,
não come.
Pode ficar dias sem pregar o olho. A insônia é sua
companheira. Noites em claro. Dorme quando está amanhecendo. Ou nem isso.
Acordar é difícil. Sair da cama é um tormento. Também pode dormir dias
inteiros. Sem conseguir sair da cama.
5- A baixa na produtividade
Se não dorme, não levanta. Se não levanta, não chega. Ânimo
zero. Vontade? Nenhuma. A vida perde o gosto. Desbota.
Começam as faltas. Os atrasos. Os descontos. As caras feias
dos chefes e dos colegas. A pessoa, cobrada, se sente um lixo. Desvalorizada.
Incompreendida. Mais na lama ainda.
Pequenas responsabilidades passam a pesar como fardos
pesados. Nem sempre possíveis de se carregar. Esquecimentos são frequentes. A
concentração fica comprometida. Cabeça cheia, cabe mais alguma coisa? Nada. Nem
ordem de chefe, nem matéria nova de escola. A criatividade é fosca. O
raciocínio fica mais lento.
O velho e bom tesão, some. A produtividade na cama também
fica prejudicada. No olho do furacão, ter tesão como? Tudo vira sacrifício. Até
as coisas que mais eram prazerosas são deixadas de lado.
6- Automutilações e comportamento perigoso
Pessoas que se automutilam mostram que estão precisando de
ajuda. Há os que se cortam, se queimam, se batem, se flagelam.
Também há os que se desprotegem. Pessoas que jogam roleta
russa com a vida. Dirigem em altas velocidades, muitas vezes bêbados. Drogados.
Fumam demais. Bebem demais. São formas de se matar. Num suicídio passivo.
Parece que foi por acaso. Olhando bem, não foi.
7- Despedidas e preparações de partida
Pessoas que tentam se matar se despedem. Pessoalmente ou em
redes sociais. Deixam bilhetes, mensagens, posts. Procuram pessoas queridas que
não viam há muito tempo. Arrumam seus papéis. Organizam seus pertences. Os
armários. Doam objetos de valor ou estimação. Se despedem de alguma forma. Nem
sempre a gente percebe. Nem sempre é claro.
Percebo, no consultório, que esse processo é mais do que
despedida. Na verdade é uma chance de ver se alguém percebe, e lhe salva a
tempo. Ninguém quer morrer de verdade. As pessoas querem é parar uma dor que
não suportam mais. Nessas horas, um abraço, um olhar amigo, uma conversa aberta
pode salvar uma vida.
8- Histórico de situações graves
Preste atenção em histórico de abusos físicos, sexuais,
bullying. Perdas recentes. Separações. Demissões. Crises financeiras.
Humilhações. Tudo isso pode desencadear na pessoa a vontade de morrer para se
livrar do sofrimento. De situações que ela vive como sem saída.
Histórico de suicídios próximos ou na família. Pequenas
tentativas anteriores de suicídio. São fatores que devem deixar a gente já de
orelha em pé.
9- Melhoras súbitas
Com a terapia e o tratamento adequado, a tendência é
melhorar. Mas quando a tristeza e a apatia dão lugar a uma rápida melhora,
fique atento. É aí que muitos dos suicídios acontecem. Porque o deprimido,
mesmo muito sofrido, não tem forças nem para se matar.
Mas quando melhora, tem. Esse é o risco. Nessas horas
cuidado redobrado. Presença direto do lado. Não deixe sozinho, não.
10- Avisos de suicídio
Nenhum suicídio vem do nada, de uma hora para a outra. Eles
vêm escrevendo uma história. Numa linguagem cifrada que, nem sempre, a gente
consegue ler. Infelizmente.
Eu não aguento mais. Eu quero sumir. Dormir e não acordar
mais. Ir embora numa viagem sem volta. Não quero mais dar trabalho. Não tenho
saída. Eu não queria ter nascido. É melhor mesmo eu morrer.
É comum as pessoas próximas desvalorizarem os avisos.
Acharem que é só para chamar a atenção. Para aparecer. Dizem que quem quer se
matar não avisa. Não é assim que funciona.
Quem fala não faz? Engano seu. Cão que ladra, morde também.
Quem se mata, avisa. É preciso reconhecer os sinais. Encarar de frente. Olhar
no olho. Esclarecer.
- Você está pensando em morrer? Você está me dizendo que
quer se matar?
Verbalizar a ameaça assusta. Isso é bom. Faz com que a
pessoa leve um susto ao ouvir de outra boca sua ameaça. Seus medos. Muitos
suicídios são cancelados assim.
Fale sem medo. Abra o verbo. É preciso falar sobre
suicídio. Em alto e bom som. Para que pare de ser tabu. E passe a ser normal.
Não é bom. Mas existe e precisa ser enxergado.
Evite o discurso pronto falando tudo de bom que ele é e
tem. Ou pior, falando em como a pessoa é ingrata por não ser agradecida e feliz
com o que tem. Não piore a situação. Escute sem julgamentos. Um ouvido atento e
paciente ajuda mais que uma boca nervosa.
A morte nunca é fácil para quem ama. Nunca é suave com quem
fica. Mortes sabem ser rascantes. Mas a morte de quem fez a própria mala para
partir, essa é de todas a pior. Porque deixa a alma ferida em carne viva.
Mergulhada em culpas. Culpa de não ter feito mais. De não ter percebido. De ter
errado.
E raivas. Dele ter se matado mesmo com tudo o que recebeu.
Apesar dos seus sacrifícios. Sem pensar no seu sofrimento.
É comum a família ter vergonha. Esconder o suicídio. Dar
uma desculpa qualquer. Passar a manter distância segura dos amigos, vizinhos
para evitar fofocas. Besteira. Depressão não é vergonha, é doença. Um câncer na
alma. Ter vergonha de que?
É preciso falar sobre o suicídio. Falar bem alto. Sem medo.
Olhar a fera de frente. Só assim ele para de matar quem a gente ama. Porque a
solidão de quem pensa em morrer é enorme. E nosso silêncio é cruel.
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SETEMBRO AMARELO