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Agência
O Globo
Criar os filhos sem contato com a tecnologia é uma missão
praticamente impossível. A introdução dos pequenos ao mundo virtual acontece
cada vez mais cedo por meio não apenas da televisão, mas também do computador,
do tablet e, principalmente, do celular. Uma pesquisa divulgada pelo Comitê
Gestor da Internet no Brasil em novembro de 2017 revelou que 91% dos 22 milhões
de brasileirinhos com acesso à internet navegam pelo celular. O número assusta
quando comparado com o índice de 2012:
21%.
— Não adianta proibir — admite Maria Mihich, da Sociedade
Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. — Hoje em dia, as crianças
perguntam ao Google, não aos pais. Por isso, é preciso acompanhar e,
principalmente, entender de onde vem a curiosidade dos filhos pelos conteúdos
que eles acessam na internet.
A psicanlista, especialista em crianças e adolescentes,
afirma que muitos pais com uma rotina atribulada recorram ao Youtube para
distrair os filhos. Quem nunca colocou um vídeo da "Galinha
Pintadinha" no Youtube para distrair as crianças por alguns minutos? Na
plataforma, o canal da personagem infantil tem mais de 30 vídeos com mais de
100 milhões de visualizações — um recorde antes detido pela cantora Rihanna. É
neste momento, porém, que eles ficam expostos ao perigo de consumir conteúdos
impróprios por meio da busca por palavras-chave e da reprodução automática. Há
sempre a possibilidade de haver um vídeo adulto relacionado a um tema infantil.
São os casos, por exemplo, das paródias que muitas vezes
utilizam elementos do universo infantil. Uma dica simples para os pais evitarem
esse contato precoce é montar uma playlist particular e desabilitar a
ferramenta de reprodução instantânea. Também são de grande ajuda os aplicativos
próprios, como o Youtube Kids. Nele é possível, além de filtrar o que será
assistido, controlar o tempo de acesso. Sobre isso, a especialista atenta:
— O ideal é não passar de uma hora por dia por questões
fisiológicas. A exposição contínua à luz desses aparelhos pode causar
distúrbios do sono e ainda problemas de visão.
Embora não seja assim na prática, a idade recomendada para
que as crianças comecem a manipular tablets ou celulares é após a
alfabetização. Em qualquer idade, a surpervisão dos pais deve se manter firme
para evitar a apresentação de temas muitos densos aos pequenos antes da hora.
Este, inclusive, é o que Mihich encara como o principal problema do acesso
liberado à internet nessa idade:
— Muitas vezes os pais não têm dimensão de como o excesso
de informação da internet é prejudicial ao aparelho psíquico do filho. Às
vezes, ele está na fase de aprendizado nível um e, através das redes, se depara
com um assunto do nível cinco. Essa interferência não natural desencadeia uma
confusão que pode causar desde um quadro de ansiedade muito forte e medo
excessivo até uma regressão no desenvolvimento.
Freud explica que "a identificação é a mais remota
expressão de um laço emocional com outra pessoa". Portanto, é esperado que
os pequenos se identifiquem com os pais. A partir do contato com o Youtube,
isso pode se estender ao que eles veem na tela. Inconscientemente, as crianças criam aí um laço de familiaridade.
A imitação natural dos pequenos é inclusive apontada como
uma das causas do vício em redes sociais — que pode se estender até a
adolescência e vida adulta.
— A tendência é que as crianças fiquem o dia inteiro na
internet se os pais também ficam. O vício pode ser por imitação, ansiedade ou
compulsão. Este último caso é mais comum com pré-adolescentes e adolescentes —
esclarece Maria.
Por mais que pareça difícil chamar mais atenção que a
animação colorida e preferida dos filhos, a profissional argumenta que nada é
mais atrativo para eles do que a proposta de atenção exclusiva dos pais. Sair
para passeios, é claro, exige uma energia extra e difícil de guardar hoje em
dia, porém o resultado sempre é positivo se a ideia é tirá-los da frente das
telas:
— O maior desejo de uma criança é ser amada. Por isso, as
atividades propostas têm que ter atenção dos pais. Mesmo que sejam rápidas como
ler para os filhos antes de dormir. Mais tarde, esses pequenos gestos que
parecem bobagem acabam fazendo toda a diferença na construção deles como
indivíduos crescidos.