(Foto: Divulgação) |
Redação: Correio 24h
Novembro de
2018. Ainda não era Verão, mas a temperatura, como de costume em termômetros
baianos, já estava nas alturas. De férias em Valença, no Sul da Bahia, o
cobrador Carlos Augusto, 33 anos, gingava ao som de uma recente descoberta
musical. Contrariando o histórico local, não se tratava de pagode, tampouco
axé. O ritmo quente era outro. Nos auto-falantes do carro, ecoava a lambada.
Mais precisamente, a banda Lambasaia.
Dona dos
hits Prostituta (Viajo Nela), Perereca e Água de Maconha, a banda, só com essas
três músicas, já soma quase 2,1 milhões de visualizações no Youtube. Se juntar
o DVD, gravado há apenas um mês, mais o CD completo, lançado em outubro, e as
outras canções, os números chegam a mais de 7,5 milhões. A banda será, neste
Carnaval, atração no dia 3 em Porto de Sauípe e Baixios, no Litoral Norte. Além
disso, há outros shows previstos e, inclusive, participações em trios em
Salvador ainda não confirmadas.
“Conheci
através de um amigo, ouvi Perereca. Rapaz, achei muito massa. De lá pra cá não
parei de escutar”, comentou Carlos. A recordação vai estar com ele aonde for.
Morador do bairro soteropolitano de Cosme de Farias, o cobrador afirma que fez
que nem Jesus e dividiu o pão. “Saí espalhando pra todo mundo, aqui na rua já
virou febre, a galera curte mesmo”, completa, citando o grupo Kaoma e
garantindo que o amor pela lambada é antigo.
Cosme de
Farias não é exceção. Basta circular um pouco por aí, ligar o rádio, dar uma
passadinha na academia ou até reproduzir alguns stories do Instagram para ser
atingido pelo fenômeno. Apesar de se tratar de uma banda, é quase impossível não
ser magnetizado, de imediato, pelo vocalista. À frente do grupo, Léo Dumóve
esbanja lúxuria e não gosta de ser chamado pelo nome. Se o encontrar por aí,
chame-o de Cafajeste da Lambada.
Lambasaia
De chapéu
estilo panamá, camisa de botão entreaberta, muitos colares pendurados e um
bigodinho carregado de charme latino, Léo transparece toda a sensualidade que
carrega em suas músicas. Porém, basta um pouco de conversa com o rapaz para
descobrir que ele vai muito além do estereótipo.
Para
começar, é fã de rock. Em seus fones, bandas como a norte-americana Aerosmith e
a australiana AC/DC reinam absolutas. Sua maior referência é Axl Rose,
vocalista do grupo Guns N’ Roses. Além disso, toca piano desde os 11 anos e não
é fã de agitos. Nas horas vagas, opta por livros e Netflix.
“Na época
que eles [Ricardo e Rafael Moura, produtores do Lambasaia] me mostraram o
projeto, não queria fazer. Falei logo ‘oxe, tá maluco, é? Procure outro artista
aí!’. Achei que não tinha nada a ver isso de lambada, cheguei a desistir na
hora da gravação do disco. Mas eles insistiram, confiaram muito em mim. Hoje me
apaixonei e aprendi a amar. O cafajeste veio para somar”, declarou.
Natural de
Ibicuí, município baiano com cerca de 15.786 habitantes - segundo o IBGE
-, Léo é acostumado com o clima
interiorano. Na infância, queria até ser locutor de rodeio. “Você já ouviu
dessa cidade? Conheço todo mundo, todo mundo mesmo. Se tiver amigo lá, só me
mandar a foto que você vai ver que eu conheço!”, garante ele, que se mudou em
outubro de 2018, logo após o lançamento do CD, para Feira de Santana.
Atualmente,
além do vocalista, sete pessoas compõem o palco do Lambasaia. Pikachu nos
teclados, Nana Queiroz e Pink Albuquerque na coreografia, Ramon Ribeiro na
guitarra, Welder Bastos no backing vocal, Léo, conhecido como Mão de Conga na
percussão e a famosa dupla Teile e Zaga, no trompete e no trombone,
respectivamente. Na produção, uma equipe de 18 pessoas.
“Não temos
mais espaço na agenda até junho, fechamos tudo em janeiro. Tem fins de semana que
vamos fazer nove shows, três por dia, desde sexta. Coisa fora da Bahia, no
Maranhão, Piauí, São Paulo… Estamos alcançando muita gente, em muitos lugares,
graças a Deus”, comentou o vocalista da banda que após o Carnaval (no dia 12 de
abril) promoverá o Baile do Cafajeste, que contará também com os shows das
bandas Unha Pintada e La Fúria na Arena Fonte Nova.
A ressurreição da lambada
Basta um
leve apanhado histórico para perceber que os grandes hits da lambada têm, no
mínimo, algumas décadas. Chorando Se Foi, uma das maiores sensações do ritmo no
país, estourou em 1989, através do grupo paraense Kaoma. Adocica, de Beto
Barbosa, é de 2002. Sendo assim, o que motivou esse renascimento? De acordo com
o Cafajeste, a lambada estava por aí, solta, apenas aguardando alguém com
ousadia suficiente para capturá-la.
“O povo vem
com essa de dizer que tô ressuscitando quem tá morto, mas não é isso, não. Ela
só tava adormecida, faltava coragem, alguém sabendo fazer. Tinha que ter essa
saliência que eu tenho, eu sempre fui safado, gosto muito da arte da sedução”,
comentou.
Para Rodrigo
Faour, historiador e autor do livro A História Sexual da MPB, há uma corrente
de revalorização da lambada. “É natural que, de tempos em tempos, as coisas
voltem, isso acontece com tudo. A gente tem a guitarrada, presente no forró
universitário, fazendo sucesso há muito tempo, é um ritmo primo da lambada. E
falando de Carnaval, a gente não tem um ritmo preponderante hoje, é uma grande
mistura. Acredito no revival, não só dela, mas de outros ritmos também. Temos
espaço, o mercado é muito massificado, principalmente se empresários resolverem
colocar dinheiro nisso”.
Uma mistura
entre ritmos caribenhos, como a cúmbia e o merengue, a lambada, de acordo com
Rodrigo, nasceu no Pará. “Começou lá, nos anos 70. Em 1982, Gretchen cantava o
Melô do Piripipi, que já era uma lambada, mas acabou sendo ignorada e tratada
como apenas outra música engraçada. Foi assim até o lançamento de Chorando Se
Foi, que espalhou a lambada por todo Brasil”, explica.
Para
Rodrigo, novelas, como Tieta (1989/TV Globo), também ajudaram a impulsionar o
ritmo. “Deram espaço para Luiz Caldas, Sidney Magal, e até Elba Ramalho, com
Ouro Puro, que fez muito sucesso. Mas foi uma coisa muito efêmera, uma moda de
dois verões. Em 92, Daniela [Mercury] explodiu com o axé e a lambada perdeu a
força”.
E se você
acredita que a banda Lambasaia é o único expoente do renascimento do ritmo,
engana-se. Fundada em 2000, a banda baiana Mambolada, que explodiu
nacionalmente com a música Larica Maria, também toca lambada. “Esse é um
movimento que vem da periferia para o centro, do interior pra capital. Estamos
felizes com esse momento, vários artistas surgindo, muita coisa acontecendo.
Uma banda só não faz Verão”, declarou Rafique, vocalista do grupo.
Com
participação confirmada no Furdunço, pré-Carnaval de Salvador, no próximo dia
24 (sábado), a Mambolada já tem shows marcados para a folia. Além disso, um
novo CD está sendo produzido. “Tocamos outros ritmos, como merengue e
bate-estaca, mas a mais amada é a lambada, não tem jeito. A galera adora. Ela
estava só tirando um cochilo, agora acordou”.