Michael Melo/Metrópoles |
De família
carente, jovem talento, de 15 anos, treina, estuda e conseguiu a proposta para
mudar de país graças a um projeto do MPDFT.
Os primeiros
dribles de Ivanildo Jesus das Neves no futebol, aos 6 anos, despertaram nele um
sonho além da profissionalização no esporte: livrar a família da pobreza. Hoje,
aos 15, o adolescente, estudante de escola pública, natural de Itiúba, na
região norte da Bahia, divide um barraco no Núcleo Bandeirante no Distrito
Federal com a mãe, o padastro, duas irmãs e um tio. A moradia, erguida com
madeirite encontrado no lixo e coberta por lona, carece de rede de esgoto. O
acesso à água potável ocorre graças à doação de funcionários de um motel ao
lado.
Entretanto,
graças ao projeto Juventude em Foco, fruto de parceria do Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios (MPDFT) com instituições de apoio, o que parecia
ser sonho distante para Ivanildo começa a se realizar. A iniciativa oferece a
ele – e a outras centenas de crianças e adolescentes – a oportunidade de
treinar futebol.
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Assim, o
garoto chamou a atenção do Orlando City, clube da Major Soccer League (MLS),
divisão de elite do futebol nos Estados Unidos. Em consequência, recebeu
convite para jogar nas categorias de base do time, com estadia, alimentação e
estudo bancados pela franquia da Flórida, inicialmente, por um ano. Ele aceitou
a mudança e deve partir agora em Fevereiro de 2019.
“Muito
alegre, chorei muito”, diz Ivanildo, ao rememorar a emoção vivida no último dia
8, quando foi convidado por um dos presidentes do Orlando City para integrar o
time. O adolescente conta que a ficha ainda não caiu completamente. Sequer
imaginou como será a primeira viagem de avião. Isso porque a mudança
representará uma reviravolta na vida dele. O jovem concluiu o 8º ano do ensino
fundamental e, nas horas livres, ajuda a família na separação de resíduos
sólidos.
Até o início
deste ano, por não ter dinheiro para pagar o transporte público, Ivanildo
pedalava cerca de 23km de casa à Associação Recreativa Esporte Central de Santa
Maria (Arec), onde treinava quatro vezes por semana. Gastava cerca de uma hora
e meia para chegar ao local. “Isso [convite do Orlando City] ocorreu graças ao
professor Mauro.
Eu não tinha
dinheiro para comprar o uniforme [R$ 140], ele fez por R$ 70. Também pagou para
mim inscrições em campeonatos”, detalha Ivanildo, agradecido pelo empenho do
treinador, Mauro José de Oliveira, um dos voluntários do Juventude em Foco.
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Diante do
arrocho financeiro da família do garoto – os pais dele ganham cerca de R$ 350
mensais catando recicláveis –, o professor não poupa esforços para ajudá-lo.
Além de assumir parte das despesas referentes ao esporte, é ele quem transporta
os participantes do projeto aos locais de competição, em uma van.
Há 46
meninos, de 6 a 16 anos, que treinam futebol conosco e todos são carentes.
Alguns pais colaboram, me ajudam a levá-los aos torneios. Ou pagam aplicativo
de transporte.
Mauro José
de Oliveira, treinador
Ex-jogador
de futebol com passagens pelo futebol brasiliense e do exterior, Mauro repassa
aos alunos a experiência acumulada em 18 anos de carreira. Um dos principais
objetivos é torná-los cidadãos responsáveis, independentemente de um eventual
sucesso no esporte.
“Cobramos
muita disciplina deles, notas boas, pontualidade e compromisso. Não aceitamos
faltas”, afirma. Segundo Mauro, Ivanildo tem todas essas virtudes que, aliadas
ao talento em campo, compõem a receita do sucesso do adolescente. “Tem o perfil
do jogador moderno: é forte, veloz, sabe fazer gol”, analisa o mestre.
Quase o fim
Ivanildo dribla
os obstáculos da vida desde os primeiros anos. Aos 3, o menino, nascido em
Itiúba (BA), contagiou-se com meningite e quase teve o sonho abreviado. “Ele
ficou um mês e 15 dias em coma. Quando deixou a UTI, o doutor me falou ‘tenho
uma má notícia: o seu filho não poderá andar’”, recorda a mãe de Ivanildo,
Lidiane da Silva, 30. No entanto, o menino contrariou o médico e, na mesma
semana, caminhou pelos corredores do Hospital Materno Infantil de Brasília
(HMib), na Asa Sul.
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Após superar
a doença, a pobreza voltou a ser o principal desafio a vencer. “Passamos sem
comer, moramos debaixo de ponte e o conselho tutelar tentou tomá-lo de mim”,
relembra Lidiane. Porém, as adversidades não abalaram a esperança de Ivanildo.
“Ele merece tudo isso. Desde os 6 anos fala em futebol. Hoje, acorda às 5h para
ir à escola”, conta o padrasto, Leandro Veloso, 32, a quem o adolescente chama
de pai. Foi o homem quem encontrou no lixo alguns dos pares de chuteiras
calçadas pelo filho desde a infância. “O que para os outros é resto, para nós é
vida”, compara Leandro.
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Em meio aos
produtos descartados, a família encontrou também a mala que levará os pertences
pessoais e os sonhos de Ivanildo. Entre eles, o de trilhar os passos do
atacante Vinícius Júnior, de 18 anos, contratado pelo Real Madrid junto ao
Flamengo no ano passado. Porém, o zíper da mala está estragado. “Assim que
minha mãe a consertar, não vai faltar nela foto da família para quando eu
sentir saudade”, destaca o garoto.
Juventude em
Foco
O projeto do
MPDFT começou no início do ano passado. Hoje, atende mais de 600 crianças e
adolescentes, do Núcleo Bandeirante e Candangolândia, em situação de
vulnerabilidade. A eles são oferecidas aulas de dança, capoeira, caratê, teatro
e música, entre outras atividades, no contra turno escolar.
Os treinos
de futebol ocorrem no campo sintético da Metropolitana, no Núcleo Bandeirante,
às segundas, das 18h20 às 19h30, e aos sábados, das 10h às 11h30. As atividades
neste ano se encerraram, mas têm retorno marcado para 20 de janeiro de 2019 e estão
de portas abertas para receberem mais crianças e adolescentes.
“Os projetos
são fruto de doações. Por exemplo, se uma pessoa comete delito de trânsito, pagar
fiança e tem penalidade convertida em benefício de prestação de serviço
alternativo. O recurso então é destinado a instituições parceiras, que elaboram
projetos sociais”, explica Áurea Rangel, servidora do Setor de Controle e
Acompanhamento de Medidas Alternativas da Promotoria de Justiça do Núcleo
Bandeirante.
Fonte: Metrópoles