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O documento traçava um panorama do desabastecimento,
problema que se arrasta há anos, mas se agravou nos primeiros meses do governo
Jair Bolsonaro.
De um total de 134 remédios que são distribuídos
obrigatoriamente pelo Ministério da Saúde, 25 estão com estoques zerados em
todos os estados do país e outros 18 devem se esgotar nos próximos 30 dias.
O GLOBO analisou relatórios de dez secretarias estaduais
de Saúde e outro documento do Conass encaminhados ao governo federal cobrando
providências para o problema. De acordo com eles, o país vive a maior crise de
sua História na oferta de medicamentos para o sistema público de saúde.
Dois milhões de pacientes dependem de remédios que estão
em falta ou que vão acabar nos próximos dias, segundo o Conass. Dentre os já
esgotados, estão drogas para tratamento de doenças como câncer de mama,
leucemia em crianças e inflamações diversas.
Também falta medicação para pessoas que receberam
transplantes recentes de rins e de fígado. Sem isso, é possível que órgãos
transplantados precisem ser removidos e descartados, já que as drogas servem
para que o corpo do receptor consiga se adaptar. Em apenas em dez estados,
incluindo Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco, mais de 20 mil
transplantados dependem dos medicamentos fornecidos pelo governo federal.
O Ministério da Saúde afirma que, desde janeiro, tenta
regularizar o abastecimento de medicamentos adquiridos. Segundo a pasta, muitos
processos de compra não foram iniciados no tempo devido e, por isso, “as
entregas estão ocorrendo de modo intempestivo”.
Ao todo, 12 processos de aquisição foram finalizados e 52
estão em andamento
“Assim, a expectativa é de assinatura dos contratos de
compra para regularização do abastecimento de grande parte dos fármacos ainda
no mês de maio”, diz a nota.
Alertas foram emitidos
O Ministério da Saúde já foi alertado diversas vezes
sobre a escassez em que se encontram os estados. O documento mais recente, do
Conass, diz que o desabastecimento atinge principalmente “portadores de doenças
crônicas” e que causa “consequências sociais, clínicas, e não menos importante,
econômicas”.
“Isso configura uma grande preocupação para os gestores
estaduais no que diz respeito ao planejamento das ações de acesso e,
principalmente, na qualidade e segurança do tratamento do paciente”, diz o
texto do conselho, que solicita ainda que a pasta dê prioridade ao tema.
Secretário de Saúde do Pará e presidente do Conass,
Alberto Beltrame afirma que o atual governo não é o único culpado pela crise de
abastecimento e que ela é causada pela má gestão do ministério, que não
consegue terminar licitações dentro do prazo nem fazer com que empresas
distribuidoras honrem seus contratos.
— Estamos no pior momento da crise, que é quando de fato
a prateleira está sem nada. É, possivelmente, o maior desabastecimento que já
enfrentamos. Isso causa danos severos aos pacientes — diz Beltrame.
A reportagem teve acesso a relatórios detalhados de dez
secretarias estaduais de saúde e a um outro, mais sintético, que traça o
panorama em todo o país. Todos os estados, em maior ou menor escala, são
afetados.
No Sudeste, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro
já pediram ajuda ao governo federal em diversas ocasiões, mas continuam com as
prateleiras vazias. No Rio de Janeiro, dados da Superintendência de Assistência
Farmacêutica e Insumos Estratégicos da Secretaria de Estado de Saúde (SES)
revelam que 11 medicamentos fornecidos pelo Ministério da Saúde estão com os
estoques zerados.
Segundo o governo do Rio, a secretaria de Saúde obteve de
Brasília o “compromisso com a normalização do abastecimento o mais breve
possível”.
Em Pernambuco, 35 medicamentos fornecidos pelo ministério
estão em falta ou com entregas em atraso; outros 11 constam como “saldo a
receber”, sinalizando que o volume entregue não foi suficiente para atender a
demanda. No Paraná, chega a 23 o número de remédios em risco de acabar.
Aumento dos estoques
No Norte, a escassez se repete: Rondônia tem 33 drogas já
em falta ou prestes a acabar. Em Belém (PA), o Hospital de Oncologia passou a
dispensar pacientes que precisam de tratamento contra o câncer.
— É muito difícil chegar para o paciente e dizer que você
não tem nenhum frasco de medicamento no estoque. É uma crise que não pode se
prolongar, ou passa a ser uma crise humanitária — lamenta Beltrame.
Segundo o presidente do Conass, uma portaria da Saúde
estabeleceu o compromisso de manter estoques de três meses, mas sucessivas
administrações vêm ignorando essa regra.
O ministério diz estar ampliando os processos
licitatórios de compra para garantir o abastecimento por, no mínimo, um ano.
Medidas emergenciais como o remanejamento de estoques e a antecipação da
entrega de medicamentos por laboratórios contratados também estão sendo
adotadas, segundo a pasta, para garantir o abastecimento imediato.
O órgão afirma que a distribuição de drogas como o
micofenolato de mofetila e o micofenolato de sódio — usadas para prevenir a
rejeição de órgãos transplantados — já está regularizada.
Na próxima semana, prossegue o ministério, serão
regularizados os fármacos Imatinibe 100 mg e Imatinibe 400 mg, usados no
tratamento de crianças com leucemia.
A Saúde afirma que todas as informações e dificuldades
relacionadas aos processos de compra estão sendo compartilhadas com o Tribunal
de Contas da União (TCU) e demais órgãos de controle, que têm acompanhado a
situação do desabastecimento nos Estados.
Agência, O Globo