Foto: Reprodução/Youtube |
Juliana
Gragnani e Ricardo Senra
Da BBC News
Brasil em Londres
Quem afirma
é o médico oncologista e escritor Drauzio Varella, rebatendo uma onda crescente
de movimentos críticos à vacinação surgidos em diferentes partes do mundo -
inclusive no Brasil.
A
"hesitação em se vacinar", segundo a Organização Mundial de Saúde
(OMS), é uma das dez maiores ameaças globais à saúde em 2019. Em todo o mundo,
a BBC vem publicando reportagens sobre o tema.
"Quando
eu era menino, cresci num bairro operário de São Paulo, havia as chamadas
doenças da infância. Era como um tributo que se tinha que pagar para chegar à
adolescência", conta Varella, que hoje tem 76 anos. "Quando surgiram
as vacinas, houve uma queda abrupta não só das doenças, mas da mortalidade
infantil. A mortalidade infantil caiu muito. No Brasil, lá pelos anos 1950,
chegava a mais de 100 crianças mortas para cada mil habitantes. Praticamente
10% das crianças morriam até os primeiros cinco anos de vida."
Segundo os
dados mais recentes do IBGE, o Brasil tinha 14 mortes para cada mil nascidos em
2016 - no ano anterior, eram 13,3 mortes (a cada mil).
Ainda
segundo o médico, as vacinas são o grande responsável pelo aumento da
expectativa de vida em todo o mundo no último século.
"A
expectativa de vida dobrou ente 1900 e o ano 2000. O que causou essa revolução?
Não foi a medicina que a gente pratica no dia a dia. Controle da pressão,
tratamento do câncer... Não foi isso, porque essas doenças atingem a população
mais idosa. Quando você tem uma pessoa que morreria de infarto aos 60 anos e
você trata rapidamente e ela escapa do enfarto, ela vai acabar morrendo depois
por outra doença. Agora, quando você tem uma criança que morreria aos dois anos
de idade por uma doença infecciosa, e essa criança vai morrer aos 80 anos, essa
puxa a expectativa de vida lá para cima. A grande responsável por esse aumento
da expectativa de vida foi a vacinação", afirma.
Reprodução: BBC Brasil |
Dados do
Ministério da Saúde mostram que todas as vacinas destinadas a crianças menores
de dois anos de idade no Brasil vêm registrando queda desde 2011. Por exemplo,
a cobertura vacinal contra poliomielite no país era de 96,5% em 2012; dados
preliminares de 2018 mostram que a cobertura dessa mesma vacina foi reduzida
para 86,3%.
Segundo o
ministério, a redução pode ter diferentes causas: o sucesso do programa nacional
de imunizações no país - já que a eliminação de algumas doenças no país pode
ter levado a "uma falsa sensação de que não há mais necessidade de se
vacinar porque a população mais jovem não conhece o risco" e dificuldades
de acesso dos pais aos serviços de saúde. A terceira hipótese diz respeito
justamente à resistência à vacinação, embora não se saiba exatamente qual é o
peso do movimento negacionista na cobertura vacinal do Brasil.
Varella é
categórico sobre o tema e diz que o movimento antivacina é criminoso.
"Eu não
conheço nenhum médico que deixe de vacinar os seus filhos", diz.
Ele cita a
volta do sarampo para ilustrar seu ponto de vista. "Nós não tínhamos no
Brasil mais ninguém com sarampo. O que aconteceu? Quem eliminou o sarampo da
população brasileira? Foi a vacina, evidentemente. Mas começaram a aparecer
crianças não vacinadas, no caso do Brasil houve uma imigração da Venezuela,
muitas ou algumas das crianças não eram vacinadas. Chegaram no Brasil. Se elas
encontrassem toda a população vacinada naquele momento, não haveria risco
nenhum. O problema é que havia crianças brasileiras que não estavam vacinadas.
E o sarampo, que era uma doença que havia desaparecido, foi reintroduzido. Nos
EUA, acontece exatamente a mesma coisa", diz.
Sobre as teses
de que o uso de frações de vírus causadores de doenças nas vacinas exporia
crianças a enfermidades, ao invés de protegê-las, Varella diz que o volume de
crianças doentes ou mortas ao redor do mundo seria inestimável, caso a tese
fosse verdadeira.
Reprodução: BBC Brasil |
"Imagine:
quantas crianças foram vacinadas no mundo? Quantas estão sendo vacinadas no dia
de hoje? São milhões e milhões de crianças no mundo inteiro. Se isso fosse
verdade, essas pseudodoenças ou doenças imaginárias, quantos casos
haveria?", diz. "Você injeta a vacina em doses mínimas e essas doses
são suficientes para estimular o sistema imunológico (...) Uma pequena
quantidade de vírus mortos ou de antígenos de modo geral já é suficiente para
estimular o sistema imunológico. É completamente diferente de um remédio, o
mecanismo de ação é outro."
Para
Varella, a expansão das teorias de conspiração sobre a vacinação também se
relaciona com problemas de comunicação entre médicos e sociedade.
"Os
médicos acham tão absurdo isso que até se negam a discutir esses assuntos. E é
mau isso. Porque essas pessoas, algumas das quais por motivos ideológicos,
outras mal-intencionadas mesmo, dão explicações bem simplificadas, que até
parecem ter certa lógica para quem não entende nada de medicina. O fato de os
médicos não se comunicarem com a população, não procurarem explicar e rebater
esses argumentos é mau, porque deixa espaço para os outros repetirem essa
pseudociência e essas teorias da conspiração de que médicos estão mancomunados
com o capital internacional, a indústria farmacêutica.