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Correio 24h
A Chapada
Diamantina, que tem ganhado protagonismo na agricultura orgânica (sem
defensivos agrícolas) com o cultivo de frutas, como o morango, agora é destaque
no desenvolvimento do primeiro sistema para produção de maracujá orgânico do
Brasil.
O sistema
foi desenvolvido em Lençóis a partir de experimentos em uma área de 10
hectares, por parte do setor de Mandioca e Fruticultura da Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), unidade de Cruz das Almas, no Recôncavo da
Bahia.
Os primeiros
resultados, divulgados esta semana, apontam que a produtividade do maracujá
orgânico, de 28 toneladas por hectare, é quase três vezes maior que a do
sistema convencional, de 10,5 toneladas/hectare, em média.
A
produtividade do maracujá orgânico da Chapada também supera em muito a média
nacional, de 13,5 toneladas por hectare. No Brasil, o maior produtor da fruta é
a Bahia, onde há 16 mil hectares plantados em 191 dos 417 municípios, segundo
dados de 2017 (os mais recentes) do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
A Bahia tem
produção de 170.910 toneladas, o que corresponde a 31% da produção nacional, de
554,5 mil toneladas. O segundo maior produtor do país é o Ceará (94,8 mil
hectares) e o segundo Santa Catarina (46,1 mil toneladas).
No estado,
os municípios com maior produção, ainda com base nos dados de 2017 do IBGE, são
Livramento de Nossa Senhora (30 mil toneladas), Ituaçu (11 mil toneladas) e Dom
Basílio (10 mil toneladas).
Em Lençóis,
onde ocorreu o experimento da Embrapa, não houve produção de maracujá em 2017,
segundo o IBGE, mas os resultados do sistema orgânico deixaram empolgados os
proprietários da empresa Bioenergia Orgânicos.
Instalada em
uma área de 3,5 mil hectares em Lençóis há dez anos, a empresa investiu cerca
de R$ 50 milhões em uma agroindústria (incluindo desde a compra da terra às
pesquisas com a Embrapa) que deve entrar em funcionamento total em cerca de um
ano a dois anos, com a produção inicial de manga e maracujá.
Nesse tempo,
a empresa realizou apenas pesquisas de melhoramento em frutas e sistemas
orgânicos, com auxílio da Embrapa – mais de 60 variedades de frutas já foram
pesquisadas. Além disso, tem promovido cursos nas cidades da região com vistas
ao preparo dos pequenos agricultores.
Em Lençóis,
a Bioenergia se instalou depois de pesquisar um local adequado em três estados
do Nordeste (Bahia, Ceará e Pernambuco). Esse local deveria ter terras virgens,
ser próximo ao rio e onde os pequenos agricultores (futuros parceiros na
produção comercial) não tivessem o “vício” da agricultura convencional.
Outras
frutas também estão em estudo na Bioenergia, como o abacaxi imperial (sem
espinhos na casca), acerola, goiaba e banana princesa, variedade parecida com a
banana-maçã.
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Com planos
de produção de frutas orgânicas (in natura, polpa e suco) para atender ao
mercado nacional e internacional, foi a própria Bioenergia quem realizou os
investimentos para a realização do projeto “Desenvolvimento de sistemas
orgânicos de produção para fruteiras de clima tropical”, conduzido por
pesquisadores da Embrapa desde 2011.
A empolgação
com o projeto ocorre não só por causa da alta produtividade que o sistema
orgânico do maracujá apresentou, mas também em decorrência da precocidade que
dois genótipos híbridos desenvolvidos pela Embrapa apresentaram durante as
pesquisas, nas quais foram testados outros 14 genótipos do maracujá.
Os genótipos
híbridos que mais se destacaram foram o BRS Sol do Cerrado e BRS Gigante
Amarelo – ambos têm a casca amarela. Elas tiveram a produção de frutos iniciada
com quatro meses, enquanto que no sistema convencional isso ocorre com no
mínimo sete meses.
O
pesquisador Onildo Nunes, líder da equipe técnica de maracujá da Embrapa
Mandioca e Fruticultura, informou que o desenvolvimento precoce da produção do
maracujazeiro é estratégico para evitar que haja a incidência de vírus.
De acordo
com a Instrução Normativa 17 do Mapa, nos sistemas orgânicos deve-se priorizar
a utilização de material adaptado às condições locais e tolerantes a pragas e
doenças, como acontece, por exemplo, com a cultura da banana.
No caso do
maracujá, ainda não foram encontradas variedades resistentes a viroses, que tem
afetado pés de maracujá em municípios da região sudoeste do estado, como
mostrou pesquisa recente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).
(veja mais detalhes abaixo)
Contudo, a
Embrapa já tem já opções de ação: a clonagem de plantas produtivas livres de
virose. A técnica consiste em retirar e enraizar as estacas em ambiente
protegido — a empresa Bioenergia já conta com telado antiafídico (que não permite
a entrada do pulgão transmissor de vírus) para abrigar esse experimento.
“A ideia é
tirar várias estacas e fazer uma multiplicação clonal das plantas selecionadas.
Como temos uma planta já adulta, a estaca retirada tem toda informação para
iniciar a produção de frutos mais precocemente em relação a uma planta derivada
de sementes”, explica o pesquisador Onildo Nunes.
“Assim,
rapidamente essa muda de estaca entra em processo de florescimento e
frutificação. E quanto mais precoce o material, mais produz na ausência de
vírus”, disse.
Outros
ataques
Além de
viroses, o maracujazeiro está suscetível ao ataque de insetos-praga, como a
lagarta-desfolhadora, a broca-do-maracujazeiro, o percevejo, a
mosca-das-frutas, o besouro-da-flor-do-maracujazeiro, a formiga-cortadeira e os
ácaros.
O
maracujazeiro pode ser atacado ainda por fungos e bactérias, com intensidade de
danos que depende das condições climáticas e dos aspectos culturais.
“No caso das
pesquisas em Lençóis, tivemos problemas com lagarta, besouro, vírus e formigas.
Os piores foram os vírus, pois não há controle e nem variedades de plantas
resistentes aos seus ataques”, afirma o entomologista Antonio Nascimento,
pesquisador da Embrapa.
Nos
experimentos da empresa Bioenergia, o problema não chegou a ser tão grave
porque atingiu somente a planta. Quando chega ao fruto, causa deformação, baixo
rendimento do suco e endurecimento da casca, tornando-o inviável para a
comercialização.
Para se ter
uma ideia do potencial de dano dessas doenças, no primeiro ciclo do sistema
orgânico, antes da contaminação da lavoura, a produção chegou a atingir média
de 37 tonelada por hectare.
O controle
de formigas cortadeiras, um dos principais problemas na região, foi equacionado
com o uso de uma isca orgânica à base se Tephosia cândida (planta leguminosa
que possui ação repelente às pragas), com registro no Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para agricultura orgânica.
Segundo a
Embrapa, por enquanto o pacote tecnológico está restrito à região da Chapada
Diamantina. “A ideia é que produtores cooperados produzam nesse sistema que
criamos para atender à demanda da empresa Bioenergia”, disse o pesquisador Raul
Castro, um dos editores técnicos do projeto sobre o sistema, disponível online.
A publicação
reúne informações sobre o sistema orgânico, com foco nos aspectos
socioeconômicos, exigências edafoclimáticas, preparo do solo, calagem e
adubação, híbridos de maracujá-amarelo, sementes e mudas, plantio e tratos
culturais, polinização, manejos da irrigação, pragas e doenças, colheita,
mercado e comercialização, e os coeficientes técnicos e rentabilidade.
Mas a ideia
é que o sistema desenvolvido para a Chapada sirva de norteador para outras
regiões. “Estive recentemente com técnicos da empresa de extensão do Paraná
interessados em implantar o cultivo orgânico naquele estado”, ele falou.
“O sistema
da Chapada é o primeiro do Brasil e vem chamando a atenção de outros
interessados nessa tecnologia. Com as adaptações, pode ser implementado em todo
o país”, afirmou Raul Castro, que é vinculado à Embrapa Agrobiologia (RJ).
Um dos
sócios da empresa Bioenergia Orgânicos, Osvaldo Araújo informou que além das
espécies híbridas BRS Sol do Cerrado e BRS Gigante Amarelo, eles pretendem
cultivar o maracujá da casca roxa (Passiflora edulis) para atender ao mercado
europeu, onde o consumo de maracujá com a casca dessa cor é mais tradicional que
no Brasil.
“A ideia é o
consumidor ver o maracujá roxo na prateleira do supermercado ele saber que é
orgânico, algo automático, só nós estamos produzindo esse maracujá. A Embrapa
ainda não registrou esse produto, nossa ideia é que ele seja registrado para o
sistema orgânico”, disse Araújo.
O
empresário, contudo, está preocupado com o que ele chama de falta de reação do
governo da Bahia com relação à assistência técnica, necessária para completar o
ciclo da cadeia de produção da agroindústria.
“O governo
não está reagindo. Nós jogamos fora mais de 30 mil mudas de frutas orgânicas
porque não temos o desenvolvimento do parceiro, e o empresário pagar para o
desenvolvimento do parceiro já é absurdo”, ele disse.
“Já pagamos
para fazer pesquisa, e estamos nessa fase, aguardando a sinalização do governo
para fazer essa parceria da assistência. Já fizemos mais de cinco rodadas de
negociações ano passado, com SDR [Secretaria de Desenvolvimento Rural], estamos
no aguardo”.
Araújo
informou que por enquanto não “procurou o governo federal para não passar por
cima”. A SDR, em comunicado ao CORREIO, informou que “vem assegurando o
desenvolvimento rural da Bahia, colocando a agricultura familiar no lugar de
protagonista, por meio de investimentos em cooperativas e associações baianas”.
Diz que no
Território Chapada Diamantina, que inclui o município de Lençóis, desde 2015,
já foi executado mais de R$ 54 milhões em investimento e custeio de políticas e
ações de fomento à agricultura familiar.
“São ações
que promovem a geração de renda, emprego, produção de alimentos saudáveis,
inclusão de gênero e geracional, garantia da sucessão rural, produção
sustentável e que vem fazendo da agricultura familiar uma das principais forças
do desenvolvimento do estado”, afirma o comunicado.
Atualmente,
afirma a SDR, mais 2.600 famílias da Chapada Diamantina estão sendo atendidas
com serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), por meio da
Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater) e do
projeto Bahia Produtiva, executado pela Companhia de Desenvolvimento e Ação
Regional (CAR).
Na Chapada
Diamantina, o governo estadual diz que também investe na cadeia produtiva da
fruticultura: “São R$ 3.8 milhões, por meio do Bahia Produtiva, para atender
221 famílias com projetos como de implantação de viveiros, unidade de
classificação de grãos de café, armazenamento e comercialização, aquisição de
maquinas e equipamentos”.
Sistema
orgânico exige técnicas ambientalmente sustentáveis
Apesar de
não haver informações oficiais disponíveis para o sistema orgânico, acredita-se
que 0,5% da área cultivada no estado esteja nesse sistema, e a demanda é
crescente.
Para ser
considerado orgânico, o produtor deve usar técnicas ambientalmente sustentáveis
e não pode utilizar agrotóxicos nem adubos químicos solúveis, observa a
pesquisadora da Embrapa Mandioca e Fruticultura Ana Lúcia Borges.
Editora
técnica da publicação sobre o sistema de produção orgânica do maracujá junto
com o pesquisador da Embrapa Agrobiologia (RJ) Raul Castro, Ana Lúcia relata
que as primeiras recomendações descritas no sistema referem-se ao preparo do
solo, já que melhoria dos atributos químicos, físicos e biológicos é essencial
uma boa produção.
“O cultivo
do solo sob enfoque conservacionista deve buscar o menor impacto possível. Para
isso, é importante evitar a degradação provocada tanto pelo manejo inadequado
como pela erosão”, comento.
“Isso se
consegue adotando a redução da movimentação do solo e a manutenção da sua superfície
coberta o maior tempo possível, seja por culturas vivas ou mortas”, disse a
pesquisadora na sequência.
No caso dos
experimentos em Lençóis, antes de começar o plantio, houve um trabalho longo de
correção do solo, pobre em nutrientes para o cultivo.
Segundo a
pesquisadora, o Latossolo Vermelho Amarelo distrófico é o solo predominante na
região onde está sendo cultivado o maracujá orgânico.
Ele
apresenta limitações como acidez (baixo pH e alto teor de alumínio), além de
baixos teores de nutrientes, principalmente cálcio, magnésio e potássio.
Para a
correção, foi feita aplicação de calcário e gesso para elevar o pH do solo e os
teores de cálcio e magnésio. Após 12 meses, observou-se aumento de seis vezes
no teor de cálcio. E o teor de alumínio reduziu a mais da metade.
Outra etapa
importante de preparo do solo no sistema orgânico é o pré-cultivo da área
utilizando plantas melhoradoras. “Essa prática beneficia as condições físicas,
químicas e biológicas do solo por meio do cultivo de leguminosas e não
leguminosas [gramíneas e oleaginosas], a exemplo de sorgo forrageiro, milheto e
feijão-de-porco”, declarou a pesquisadora.
“Além disso,
possibilita o aumento dos níveis de matéria orgânica. Em Lençóis, a prática foi
iniciada 30 dias após a correção da acidez do solo. O aumento do teor de
matéria orgânica foi mais evidente após quatro anos, quando quase dobrou,
passando de 26,8 para 50,0 g/kg”, acrescenta.
Vírus que
gera perda da produção do maracujazeiro é diagnosticado
Em um artigo
publicado na Revista Scientia Agricola (referente ao mês de julho/agosto de
2019), a pesquisadora Gisele Brito Rodrigues do Departamento de Fitotecnia e
Zootecnia (DFZ), no Programa de Pós-Graduação em Agronomia da Uesb, mostra a
incidência de vírus em plantios de maracujá na região sudoeste da Bahia.
O artigo que
leva o título “Etiologia, ocorrência e epidemiologia de uma begomovirose em
maracujazeiros do sudoeste da Bahia” é resultado da tese de doutorado da
pesquisadora.
Segundo ela,
o “maracujazeiro é acometido por diversas doenças que ocasionam perdas
financeiras aos produtores, dentre elas, destacam-se as viroses”.
A pesquisa
indica que o vírus, do gênero begomovirus, tem como vetor a Bemisia tabaci
(mosca branca), causa deformações nas plantas e nos frutos e pode gerar perda
total da produção.
Foram
pesquisadas 57 propriedades, localizadas em dez municípios baianos, sendo que,
em todas, foi constatada a presença do vírus. De acordo com os resultados do
estudo, em apenas 156 dias, toda a produção pode estar contaminada, o que
demonstra a potencialidade do vírus.
“Os métodos
de controle para a begomovirose do maracujazeiro ainda são limitados.
Atualmente, o controle químico do vetor associado à erradicação de plantas
doentes através de frequentes inspeções de campo durante os primeiros meses de
plantio podem minimizar o problema”, explica a pesquisadora.
Ela
recomenda que o “Ministério da Agricultura brasileiro estabeleça medidas de
contenção para prevenir a propagação do vírus (e do vetor) para outras áreas
produtoras de maracujá no Brasil”.