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“A última
vez que vi esperança foi, na mesma esquina em que eu me perdi”. Assim inicio um
apanhado histórico mais intimista sobre a obra de Sodré, sem dúvidas e
comprovadamente através da história, o maior artista que Ipirá teve, tendo uma
envergadura internacional; isso é impactante em qualquer cenário imaginável.
Mas, coloco em pauta outras várias coisas necessárias para este diálogo, pego
de empréstimo quase modal, o termo modernidade líquida de Bauman, para
transformar isso no ponto não sociológico,
mas musical; o show resistência de Sodré representou um refinamento singular
para nossos tempos, aonde o que mais temos são hits plásticos de temporada
[...] na verdade agora virou mensal/semanal. No meio da maravilha da
técnologia, dos aparelhos cada vez mais sofisticados: pianos elétricos,
guitarras, sintetizadores, ou, a aparelhagem sonora das bandas de funk com seus
mixadores e mil e um efeitos sonoros pra se chegar ao bit, ao grave delirante,
a “rabeta no chão, no ar, no lago... e pula, gira, solta, quadrado de 8, 16, 32
e hexágonos. É isto que virou a música popular brasileira, uma geometria
corporal obsoleta, vazia de si mesma. No meio deste frenesi, aparece Sodré,
chapéu nordestino de couro, um violino (com sonoridade e técnica de rabeca) um
violão de doze cordas e uma percussão. Mas foi simplesmente avassalador; com
seus sucessos que eternizaram na mente do Ipiraense, de sua gente, seu povo; o
coió de Anália, assim como o gemido calado que temos na garganta do mundo a
penar. Ele conseguiu externalizar ao mundo o sofrimento nordestino, as
inquietações políticas de sua época (inclusive deu um drible na censura com A
MASSA) leiam com calma o teor sociológico e antranpológico desta canção que é
um espectro da vida sertaneja. Talvez a sombra do mal assombrado hoje, para nós
artístas, seja a plasticidade dessa nova manifestação cultural, desse novo modo
de pensar música, sempre objetificando corpos, bebidas e nunca criticando as
mentes. Será que ficaremos orfãos de Sodrés, de Gil´s, Cateano´s?
Me pergunto: o que virá depois
deles? Pois o show em si não se tem muito o que falar além de magnífico, o
violino com improvisos incríveis e de forma muito diversa, desde modos gregos
como o mixolídio, até escalas improvisadas em cada passagem musical, o violão
de 12 cordas ora tocando na terça da melodia, ora solando ou complementando as
harmonias e uma percussão bem alinhadinha. Junto com uma batida autêntica,
inconfundível, sodréniana. Minha conclusão são duas: existem pessoas que nas
artes conseguem o diploma da Universidade e viram críticos (como eu) e pessoas
que ganham diplomas da vida e tornam-se gênios como Raimundo Sodré: uma
resistência, uma revolução, uma história...
Pois: “Se
somos a soma de tantas subtrações Outras gerações vão nos multiplicar
O saldo é a
semente plantada nos corações, ações De outras cabeças que possam sonhar.”
Maio de 68,
Raimundo Sodré
Leone Costa A. Coordenador de
cultura, maestro, crítico musical e político.