Mulherão de 98 cm e gigante na política: menor vereadora do Brasil é da Bahia

Ascom/Câmara Municipal de Irecê

Se você precisa tirar dinheiro no caixa eletrônico, você vai lá, enfia o cartão na máquina e tira. Se quer sair do banheiro do shopping, baixa a maçaneta da porta e sai. Se quer subir a escada da repartição, sobe. Se quer falar com a atendente atrás do balcão da loja, fala. Mas, definitivamente, o mundo não foi feito para Meire Joyce Souza Figueiredo, 37 anos.  
Para realizar tarefas simples como essas, Meirinha tem dificuldades todos os dias. Tudo é alto demais para ela. Tudo é difícil de alcançar, exceto o seu sonho de mudar o mundo e ajudar as pessoas. No alto dos seus 98 centímetros “muito bem distribuídos em 24 kg”, a mulher que tem problemas até para alcançar o assento de uma cadeira se tornou vereadora. A menor vereadora do Brasil é mais do que uma pequena grande mulher. É um mulherão da porra! 
Portadora da síndrome de nanismo, eleita em 2016 para a Câmara de Vereadores de Irecê, Centro-norte da Bahia, é considerada uma gigante na defesa dos direitos de quem, por algum motivo, é excluído do mundo dito “normal”. A história do caixa do banco é tão real que, em 2017, discursou em uma audiência no Congresso Nacional, na Câmara Federal, em Brasília, sobre o assunto. Durante reunião da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CPD), cobrou por políticas públicas de acessibilidade.
Em Irecê, conseguiu transformar em lei municipal a adaptação dos caixas eletrônicos pelas agências bancárias, que são obrigadas a disponibilizar caixas alcançáveis para anãos, mas não o fazem. “Infelizmente, isso ainda não tem sido respeitado. Mesmo os caixas adaptados para cadeirantes eu não alcanço. Os bancos são instituições privadas que insistem em não cumprir a lei”, critica a vereadora, que, enquanto falava dos seus projetos e realizações, relatou diversos outros episódios constrangedores do dia a dia em que seu mandato de vereadora para nada serviu. 

“Já fiquei presa no banheiro de um shopping porque não alcançava a maçaneta. Nas repartições federais, daqueles prédios antigos, não consigo ver o atendente. Levo tudo na brincadeira, levo para o lado positivo e da graça. Mas, sei que o assunto é sério e que essa realidade precisa mudar”, defende.

A luta de Meirinha contra um mundo que insiste em ser apenas grande, na verdade, vem desde 1995. Aos 12 anos, ela distribuiu ofícios junto aos órgãos públicos e instituições financeiras da cidade para que instalassem orelhões adaptados.
Água sanitária
Tudo o que Meirinha defende se mostra ainda mais importante quando o preconceito chega a níveis absurdos. Em 2005, estava sentada no balcão de concreto de um clube, em uma festa, quando um funcionário do estabelecimento jogou agua sanitária em seu corpo. Como nada passa batido por essa mulher gigantesca, ela processou a pessoa na Justiça e foi ressarcida. “Eu disse que precisava ficar sentada porque não aguento muito tempo em pé. Não adiantou”, lembra Meirinha. 
“Tanto preconceito vem da ignorância do que é desconhecido ou apenas diferente”, acredita. Como se vê, por ter síndrome de nanismo, os percalços na trajetória de Meirinha são imensos. Mas, a verdade é que eles já seriam mesmo bem grandes ainda que ela não fosse anã. Filha da lavadeira Maria Altamira e do representante comercial José Augusto, conhecido como Cabecinha, tem outros cinco irmãos. 
Primogênita do segundo casamento do pai, ela é a única com nanismo na família e foi criada em um ambiente todo adaptado.
“Eu só lembro que tenho nanismo quanto tenho que pegar algo no alto. Ou quando tenho que abrir o chuveiro da casa dos outros. Porque na minha casa é tudo adaptado”, ri Meirinha. “Minha família sempre lutou muito na roça para tirar o seu sustento. E sempre me tratou como igual”.  

Meirinha começou a trabalhar aos 10 anos como vendedora de bijuterias e atendente de uma locadora de filmes. A educação foi o meio para que a sua vida se transformasse. Formou-se em administração de empresas pela UESSBA - Faculdade do Sertão e pós graduou-se em gestão de negócios. Para pagar os estudos, fez de tudo: de digitadora a auxiliar de escritório, de telefonista a supervisora administrativa em estabelecimentos diversos.
 
Hoje, Meirinha continua fazendo de tudo um pouco, só que em atividades bem mais importantes. Além de vereadora, é consultora empresarial e professora universitária. Também é produtora da festa de camisa Forró do Bode. Mas, talvez a maior fonte de prazer profissional de Meirinha seja as palestras que ministra. Visita escolas, faculdades e empresas para falar sobre bullying, preconceito e acessibilidade. Conscientizar pessoas e tira-las da ignorância parece ser o seu destino.
Tanto que, se nascesse de novo, Meirinha diz que gostaria de vir do mesmo jeito, em miniatura. “Se Deus me desse uma oportunidade de nascer de novo e dissesse: ‘Meirinha, você quer repetir essa vida pequenininha do jeito que é?’. Eu ia dizer que ‘sim’ porque sou muito feliz”.
‘De pequena basta eu’ 
Se há uma expressão que Meirinha gosta de usar é “bem resolvida”. Não se cansa de dizer que é bem resolvida “no âmbito profissional, pessoal, familiar, religioso... E íntimo também!”. Sim, Meirinha já teve alguns namorados e ultimamente está “morando junto”. “Pronto! Vou agora dar atenção ao namorido”, avisou à reportagem do CORREIO, após trocar mensagens de WhattsApp.   
Admite que é um pouco cismada com relacionamentos. “Sempre tive receio em ser usada ou objeto de curiosidade. Por isso policio muito meu coraçãozinho”, avisa. Mas, quando o assunto é sexo, Meirinha não tem problema algum em falar. Afirma com todas as letras que “entre quatro paredes vale tudo”. E tem suas preferências. Gosta de homens grandes. “De pequena basta eu! Gosto de homem grande, malhado  e que faz da mulher uma lagartixa”, enfatiza às gargalhadas. “Mas tem que ser educado e cavalheiro nas horas certas”. 
‘Votos das crianças’ 
No meio dessa vida em tamanho reduzido, como surgiu a chance de entrar para a política? É que, antes de virar candidata a vereadora, Meirinha foi militante do movimento estudantil. Fazia greves e manifestações na escola. Até que coordenou duas campanhas eleitorais na cidade. Assim acabou despertando o interesse dos partidos e, na segunda tentativa, elegeu-se pela Rede Sustentabilidade com 656 votos.  
Antes de ser eleita (e até mesmo depois) ouviu piadas do tipo: “Essa daí só tem o voto das crianças”, diziam. “Até hoje ouço esse tipo de bullying”, contou Meirinha à então candidata à presidência da república, Marina Silva, em uma convenção da Rede, em São Paulo. Na época, o jornal Folha de São Paulo destinou algumas linhas da reportagem sobre Marina à “primeira pessoa com nanismo a ser parlamentar”.  
Desde então, não descansou mais elaborando propostas de acessibilidade e contra o preconceito. Entre outros tantos projetos, criou o cartão DEFIS para pessoas deficientes ou com mobilidade reduzida; tenta fazer com que empreendimentos melhorem seus acessos e cobra para que as praças organizem brinquedos para crianças com deficiência. 
Seu nome ganhou amplitude nacional após o apoio de Marina Silva. Além dela, tem a amizade da senadora Heloísa Helena. “Nossa guerreira Meirinha. É um orgulho tê-la em nossa jornada. Fundamos a Rede juntas, participamos de várias atividades e lutas. Estamos irmanadas na superação de tudo que impeça que todas e todas as pessoas possam viver a vida com dignidade e plenitude”, disse a senadora. 
Com tanto apoio, nas eleições do ano passado, Meirinha tentou alcançar uma vaga para deputada federal. Esse objetivo, porém, ficou para depois. Como se pode ver, nenhum sonho é alto demais para Meirinha.
‘Fui tratada com total igualdade’
Uma criança com nanismo que convive com outras crianças vai se percebendo aos poucos. A depender de como as pessoas e os familiares lidam com a situação, isso pode ser devastador. Mas, no caso de Meirinha, os primeiros anos de vida foram como os de qualquer criança saudável. 
“Fui criada como uma criança normal, subi em árvore e andei de bicicleta. Fui tratada com total igualdade, da mesma forma que meu irmão e meus primos. Isso me tornou uma mulher segura que sou”.
Além de tudo, Meirinha sempre enxergou na sua condição uma forma de incentivo. “Quando comecei a perceber minha estatura diferenciada, quis mostrar meu potencial. Tudo que as pessoas diziam: ‘Meirinha não pode porque ela é pequena’, eu insistia em fazer. Eu gosto de desafio!”.
Às vezes, quando sofria algum preconceito ou dificuldade, dava lição nos próprios familiares. “Passamos por muitas barras nessa vida, mas ela sempre foi fonte de empenho para motivar todos. Muitas vezes eu e minha mãe sentíamos a dor mais do que ela. Ela mesma falava para a gente deixar quieto”, lembra o irmão, Augusto Jorge, que todos os dias a levava de bicicleta para a escola.
A amiga de infância Poliana Dourado, 35 anos, lembra dos tempos de cursinho pré-vestibular. Meirinha contava com um colega forte que a carregava degraus acima até a sala. Quando ele faltava, era um problema. 
“Tínhamos um colega que a admirava muito e todos os dias subia com ela nos braços. Quando ele faltava, ela subia de dois em dois degraus e parávamos para ela descansar”. 
A adolescência, segundo a própria Meirinha, foi “meio complexa”. “Comecei a perceber que não tinha o lado físico atraente para conquistar. Aí investi na conquista intelectual, amigável. 

“Quando comecei a ir para as festinhas, as baladas, senti que as pessoas queriam, sim, estar comigo. Principalmente porque elas eram contagiadas por minha alegria. Minha alegria impediu que eu tivesse traumas e bloqueios”.
O Correio 24h

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