Na música pop do Nordeste há dois sinais de que um sucesso
começou e ainda pode crescer:
A música entrou no repertório de Wesley Safadão, sempre
ligado nas tendências locais.
Está entre as mais tocadas do Sua Música, site de streaming
musical popular na região.
A pisadinha, ritmo derivado do forró, cumpre os dois
requisitos. Wesley está tocando "Solinho agressivo", da dupla
Anderson e o Véi da Pisadinha, em seus shows. E as paradas do Sua Música estão
dominadas por várias faixas de pisadinha, com cantores novos e veteranos
entrando na onda.
O ritmo se espalhou por "paredões", as populares
caixas de som no porta-malas de carros ou na rua. Os locais onde se toca a
pisadinha são conhecidos como "piseiros" - esse nome ficou tão
popular que também é usado para se referir ao ritmo da pisadinha.
O grande sucesso desse gênero em 2019 é o duo baiano Os
Barões da Pisadinha. Eles subiram no ranking do YouTube em abril de 2019, e
desde então costumam figurar entre os 10 ou 20 artistas mais tocados do Brasil
por semana no site.
Os Barões nem dependem de clipes produzidos ou de canal
oficial. São fãs que sobem as músicas, em geral sem vídeo, só com uma imagem
estática. O hit "Tá rocheda" tem 70 milhões de views só com o áudio e
uma foto de um carro, publicado por um fã. Isso indica o sucesso espontâneo.
Mas não foi no YouTube que os Barões da Pisadinha despontaram.
No final de 2018, o site Sua Música viu a audiência da pisadinha disparar, com
acessos de todo o Nordeste e de vizinhos do Centro-Oeste.
Júnior Vidal, consultor artístico do Sua Música, explica a
diferença para outras variações do forró. Os sons que marcam o estilo são a
caixa de bateria reproduzida eletronicamente e as melodias grudentas dos
"solinhos" - ambos feitos no teclado, instrumento básico da
pisadinha.
"(A pisadinha) exclui vários instrumentos que teria
uma banda como Aviões do Forró, Calcinha Preta ou Saia Rodada, que viveram o
auge em 2005. É um som mais limpo", ele descreve.
Essa geração anterior foi chamada de forró eletrônico ou
estilizado. Eles incorporaram os arranjos e as superproduções do pop e do axé,
e se afastaram do forró tradicional (veja
a evolução do estilo até então).
Muita gente torcia o nariz para os "estilizados".
Mas eles acabaram virando o padrão. A novidade agora é o piseiro, que é ainda
mais eletrônico e tem feito sucesso de forma diferente. Vidal explica o
contexto do estilo:
"A pisadinha é uma derivação do forró - como o forró
de vaquejada, o romântico, o eletrônico, o xote, o baião... Os primeiros
registros são de um artista chamado Nelson Nascimento, que era da Bahia. Até
hoje ele faz show, mas com menos repercussão. Ele era conhecido com o rei da
pisadinha."
Nelson Nascimento é de Monte Santo, na região nordeste da
Bahia. Ele conta ao G1 como encontrou esse novo jeito de tocar forró
no teclado: "Comecei o estilo pisadinha em 2002. Criei no teclado uma
mistura de xote e também do nosso suingue de Salvador, o pagodão. Mistura
também o fandango do Rio Grande do Sul".
"Em 2004 gravei o primeiro 'CDzinho', caseiro mesmo. A
gente foi tocando e na nossa região, foi bem aceito, em barzinho, aniversário,
nas rodas de amigos", conta Nelson.
O fandango é um ritmo tradicional, com algumas variações
pelo Brasil, mas em geral caracterizado por uma dança bem marcada, quase um
sapateado. O forró também é forte na dança, claro. Por causa disso, Nelson e um
amigo batizaram o ritmo de pisadinha - mais tarde, o bailado do piseiro evoluiu
e pegou nas redes sociais.
Mas nessa primeira fase da pisadinha, houve só uma música
de repercussão nacional. Foi "Fazer beber", maior hit de Nelson
Nascimento. Ela chegou a ser gravada em 2012 por Gusttavo Lima, com direito a
clipe ao vivo com Neymar dançando no palco.
Houve outros grupos de reconhecimento local, como Brega e
Vinho. Mas, até 2017, "Fazer beber" tinha sido o auge da pisadinha,
embora a carreira de Nelson nunca tenha decolado. Mesmo assim, ele foi citado
por todos os entrevistados desta reportagem como o pioneiro da pisadinha.
Nelson não se mostra ressentido com isso. Ele faz
atualmente shows frequentes, mas pequenos, e diz que os hits atuais de outros
cantores dão força ao seu trabalho.
A pisadinha nunca foi muito valorizada. Mesmo dentro da
cena do forró, era vista com desdém, como uma variação simplória. O líder da
banda cearense Pisadinha de Luxo, Paulinho do Acordeon, lembra da penúria antes
de emplacar o hit "Tu tá me querendo, tá?":
"A gente já sofreu muito com isso. Quem falava em
pisadinha era muito discriminado. Só quem gostava era a periferia, o pessoal
dos sítios, do interior".
A música é feita quase toda só no teclado, sem as bandas
gigantes do forró estilizado. O som é mais acessível, tanto para criar quanto
para fazer shows.
Mas muita gente desprezava isso. O cearense Anderson, do duo
com o Véi da Pisadinha, também se lembra do preconceito:
"Antigamente a gente chegava num palco pra montar a
estrutura, e, se a pessoa subisse com teclado lá, era a maior discriminação.
Vaias e tudo. 'Não é banda, não, é só um teclado. O que esse pessoal vai fazer
aí com teclado?' Era muito discriminado", conta Anderson.
Mesmo assim, a pisadinha foi se espalhando. Um dos segredos
foram os tais paredões de som, que ficaram mais acessíveis e populares. O ritmo
se encaixava bem neste esquema - mais ou menos como o tecnobrega mais ao norte
ou o funk ao sul.
Paulinho do Acordeon diz que os criadores do piseiro já
fazem as faixas pensando em como vão soar em festas de paredão. O som da caixa
de bateria eletrônica e dos 'solinhos' no teclado cai bem nestes
amplificadores. Vira quase um "forró rave", com mais potência que
teria com arranjos tradicionais.
Outro bom encaixe foi entre as dancinhas do piseiro e a
internet. Ainda no final de 2018, rolou um desafio chamado #ChallengeDoNordeste.
As dancinhas engraçadas ao som da pisadinha ganharam milhões de visualizações
no Instagram e YouTube, e participantes famosos como Whindersson Nunes.
Mas a dança que pegou mesmo foi a do Orlandinho, fã de
pisadinha de 21 anos de Salgueiro (PE). Ele virou um "influencer" do
piseiro com vídeos de sua dança. Seu perfil no Instagram, só de brincadeiras
com o ritmo, já tem mais de 370 mil seguidores.
Em setembro de 2019, Neymar apareceu no Instagram, direto
de Paris, dançando pisadinha do jeito popularizado por Orlandinho, que mistura
arrocha e forró. Ao fundo, uma TV tocava Barões da Pisadinha.
Os vídeos de Orlandinho ajudaram a espalhar a música
"Solinho agressivo", do Anderson e o Véi da Pisadinha. Ele acabou
participando do clipe da faixa, o que também impulsionou a fama de Orlandinho.
Depois de sentir na pele o preconceito contra a pisadinha,
Anderson comemora o sucesso do "Solinho", composto por ele e Henrique
Cantor, do Forró do HF:
"Pisadinha hoje é vida. Em todo canto está tendo
piseiro. Nas academias, todo mundo dança as nossas músicas. Nem a gente
imaginou que chegaria nesse nível."
Há outros jovens cantores despontando no piseiro. Vitor
Fernandes trabalhava até fevereiro de 2019 colhendo goiabas na região de
Petrolina (PE), quando foi descoberto pelo empresário Jeovane Guedes, que
investiu no rapaz.
Vitor emplacou o hit "Rei do piseiro (Joga
água)". Recentemente, foi um dos cantores que gravou com Márcia Felippe no
projeto "Piseiro, churrasco & paredão", um sucesso no Sua Música.
Wesley Safadão, além de incluir o "Solinho
agressivo" em seu show, investiu em seu próprio astro jovem da pisadinha.
É Eric Land, que hoje é agenciado pelo escritório do cantor. Ele gravou "O
povo gosta é do piseiro" em parceria com outro nome forte da nova cena, Zé
Vaqueiro.
Outros astros do Nordeste preferiram fazer eles mesmos
versões de músicas que se popularizaram na pisadinha. É o caso de Jonas
Esticado ("Vem me amar") e Raí Saia Rodada ("Bebe vem me
procurar").
Mano Walter regravou "Monta logo vai", da dupla
Edy e Nathan. É um curioso batidão rural. Os clipes e letras do piseiro falam
muito do interior: cavalo, boi, vaquejada. Ao mesmo tempo, o estilo dançante
incorporou a linguagem do funk do Rio e SP: "novinha",
"quicar", "rabeta".
Tanto que o refrão de "Monta logo vai" ficou
assim: "Vai quicando, rebolando, no galope do papai".
Outra música de Edy e Nathan, "Calma", tem uma
letra com a mesma mistura do tipo "fluxo na roça": "Agora elas
falam comigo / Querendo empinar a rabeta no meu alazão".
Mas a pisadinha também tem sentimentos. Há muitas letras
sofridas - que, aliás, ajudaram a amenizar o preconceito que existia antes. Os
Barões da Pisadinha conseguiram unir o lado mais quente com o mais romântico. O
vocalista Rodrigo comenta:
“É um ritmo animado. Mas tem suas músicas de sofrência.
'Quem me colocou pra beber', por exemplo, fala de sofrência, de amor, bebida,
superação, decepção amorosa. É um ritmo que envolve não só uma levada, que é a
animada, mas também a parte sentimental.”
O repertório mais amplo dos Barões pode ter ajudado a dupla
a chegar na liderança da pisadinha. Recentemente, eles assinaram contrato com a
gravadora Sony Music.
"A gente não tocava pisadinha, tocava forró. Em
determinado dia, percebi que, com o que a gente estava tocando, ia ficar
ali", lembra Rodrigo. "Cheguei para o Felipe [tecladista] e falei:
vamos mudar, tocar um ritmo só". O ritmo era a pisadinha e os Barões
investiram certo.
G1