Cerca de 5% das pessoas que tiveram perda
de olfato causada pela Covid-19 não recuperaram a capacidade de sentir os
cheiros mesmo depois de dois meses e meio do início desse sintoma.
Os dados
preliminares são de uma pesquisa em andamento no Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-USP) que contou com a participação
de mais de 650 pacientes infectados pelo novo coronavírus.
Para os
pesquisadores, os resultados indicam que a perda de olfato causada pela doença
pode se tornar permanente em alguns casos se ajuda médica não for procurada
rapidamente.
De acordo
com Deusdedit Brandão, otorrinolaringologista e pesquisador no Departamento de
Otorrinolaringologia do HC que participou do estudo, os cientistas acompanham
desde abril pacientes que tiveram a Covid-19 confirmada pelo exame do tipo PCR,
que detecta a presença do vírus no corpo.
Entre os
pacientes ouvidos, cerca de 80% afirmaram ter perda parcial ou total do olfato
–também conhecida como anosmia–, e 76% disseram ter perdido o paladar,
manifestação que está relacionada à anosmia.
Depois de
dois meses e meio do primeiro contato, os pesquisadores conseguiram encontrar
novamente cerca de 140 dos participantes que tiveram a anosmia. Mais de 95%
desses ex-pacientes contaram que a capacidade de sentir cheiros havia voltado
totalmente ou, pelo menos, parcialmente. Mas quase 5% dessas pessoas afirmaram
que o sintoma permaneceu.
Segundo Brandão,
os resultados já foram submetidos para publicação e aguardam revisão de outros
cientistas.
Para
Fabrizio Romano, otorrinolaringologista e presidente da Academia Brasileira de
Rinologia (ABR), a anosmia é mais comum em pessoas infectadas pelo novo coronavírus
do que em pacientes com outras doenças causadas por vírus respiratórios. Cerca
de dois terços dos infectados desenvolvem o sintoma, estima o médico. A
recuperação também é mais lenta do que em outros casos.
Cientistas
de instituições norte-americanas têm investigado como o novo coronavírus causa
a anosmia. Em um artigo publicado no fim de julho na revista científica
"Science Advances", os pesquisadores demonstraram que o patógeno gera
o sintoma ao infectar células de suporte do sistema olfativo, mas não os
neurônios que captam as partículas com os cheiros e passam a informação para o
cérebro.
Receptor
As células
de suporte ficam no interior do nariz e são responsáveis por uma série de
funções químicas que tornam o olfato possível. Elas possuem o receptor ACE2, ao
qual o novo coronavírus consegue se conectar para gerar uma infecção.
"Para
que esse sistema funcione corretamente, as células de suporte precisam
trabalhar para que o neurônio consiga transmitir o sinal químico", explica
Romano. Segundo o médico, a chegada do vírus ao nariz pode causar uma
inflamação no local que impede as células de cumprir sua função plenamente, e
assim os infectados têm dificuldades para sentir cheiros e sabores.
Como ainda
não há provas de que o novo coronavírus cause lesão nos neurônios olfatórios,
os médicos dizem que, mesmo com chances pequenas, um dano permanente no olfato
pode ocorrer quando uma infecção nas células de suporte é muito agressiva –o
que parece ser possível em alguns casos da infecção causada pelo coronavírus
Sars-Cov-2.
De acordo
com os especialistas, o melhor caminho é procurar ajuda médica o quanto antes.
"Ficamos preocupados com o fato de que muitos desses pacientes não estão
melhorando espontaneamente. Há um prejuízo na qualidade de vida dessas pessoas",
afirma Romano.
"Deixamos
olfato e paladar em segundo plano e só percebemos a falta que fazem quando os
perdemos. Vejo os pacientes angustiados e ansiosos com relação ao tempo de
recuperação. Os impactos na qualidade de vida podem ser brutais", diz
Brandão. O otorrinolaringologista lembra ainda que o olfato funciona também
como um sistema de alerta para segurança quando sentimos cheiro de comida
estragada ou vazamentos de gás, por exemplo.
Há
terapias específicas para acelerar a recuperação dos pacientes e reverter os
danos. "É melhor procurar um tratamento precoce para evitar as
sequelas", afirma Brandão.
Outros
estudos sobre os efeitos da Covid-19 no olfato estão em andamento em centros de
pesquisa pelo país e devem ter resultados divulgados nos próximos meses, diz
Romano. De acordo com o médico, esses estudos usam outras técnicas para medir a
perda do olfato e não se baseiam apenas nos relatos dos pacientes.
"Muitas
vezes, o paciente diz que recuperou a função, mas, quando fazemos um teste,
vemos que a recuperação ainda não foi completa. A tendência é que os dados
desses estudos nos mostrem um número ainda maior de pessoas afetadas pela
anosmia", conclui Romano.
O Tempo