Vacinação para Covid-19 na Bahia só em março de 2021, diz secretário de Saúde


A tão sonhada vacina para a covid-19 deve demorar. Ela só deve começar a ser aplicada nos baianos a partir de março de 2021. A estimativa foi feita por Fábio Vilas-Boas, secretário da Saúde da Bahia, nesta terça-feira (15) no programa Saúde & Bem-Estar, apresentado pelo jornalista Jorge Gauthier no Instagram do jornal CORREIO. Apesar da Bahia ter a parceria com a Rússia em andamento para a distribuição de 50 milhões de doses da vacina, o secretário destacou que o prazo para o início da imunização ainda depende da aprovação e registro da vacina junto à Anvisa. Além disso, reforçou que, na rede pública, a vacina não terá como contemplar todos os baianos. “A prioridade serão as pessoas que são grupos de risco”.

Vilas-Boas destacou ainda que não acha seguro o retorno das aulas sem vacina, que  os hospitais de campanha devem ser desativados progressivamente e reforçou a necessidade das pessoas continuarem usando as máscaras pois há um risco de uma segunda onda da pandemia a exemplo do que já aconteceu em países da Europa. O secretário falou também do legado de infraestrutura para a saúde do estado com a intenção de manutenção de 60% dos atuais leitos de UTI.

Confira os principais pontos da entrevista e confira a live completa abaixo:

Estamos completando 6 meses do início da pandemia no estado e ultrapassamos ontem os 6 mil mortos. Quais os principais acertos e o que poderia ter sido feito diferente?

Nós nos programamos com muita antecedência. Desde janeiro o estado foi preparado para a pandemia. Primeiro, cuidamos da parte diagnóstica, com o Laboratório Central do Estado para podermos fazer o mais importante: obter o diagnóstico correto. Por conta disso, pudemos tomar decisões de maneira rápida, com bases diárias. Isso impediu que houvesse um lockdown geral do estado, o que causaria uma fadiga precoce e possível desobediência da população, que colaborou desde o início, respeitando as medidas preventivas. Foi fundamental a junção do governo, prefeituras, população e apoio da imprensa durante este período.

Estamos entre os últimos estados do Brasil em número de taxa de letalidade – somos o 22°. Ninguém ficou sem atendimento por falta de estrutura em nenhuma cidade do estado. Se nós pudéssemos ter previsto a pandemia com antecedência, teríamos adquirido equipamentos mais precocemente, não teríamos tido momentos onde ficamos ‘apertados’. Apesar disso, mesmo com dificuldades, essa impossibilidade de prever a pandemia e correria para organizar tudo, não gerou consequências graves.

Há uma percepção de que a população tem relaxado ultimamente, que esqueceu da pandemia. Muitas aglomerações e muitas vezes sem máscara. Dá uma sensação de ‘enxugando gelo’? 

Se você for a São Paulo ou ao Rio de Janeiro, você vai ver uma fração das pessoas fazendo uso de máscaras. O que a gente vê na Bahia, de forma universal, é algo daqui. A gente não percebe porque não estamos saindo daqui. São Paulo só decretou o  uso obrigatório de máscara há cerca de 2 meses. Na Bahia, foi desde março. Movimentamos a indústria têxtil para ter quantidade suficiente de máscaras para obrigar o seu uso universal nas ruas e ambientes públicos já nas primeiras semanas.

Quando vejo uma pequena parcela da população começando a desrespeitar o distanciamento, fico preocupado porque esse grupo pode colocar em risco pessoas que não se expuseram ao vírus. É lamentável algumas situações, como paredões e pessoas andando em lojas sem máscaras. Mas as prefeituras têm trabalhado para dissolver estes focos de rebeldia. Em comércios, tem sempre alguém na porta que não deixa você entrar sem o uso da máscara. Existe uma consciência coletiva aqui que não existe em outros estados do Brasil.

Não é hora de relaxar, se nós hoje estamos com taxas de internação menores do que 50%, foi fruto de esforço coletivo. Não é hora de colocar tudo a perder. É importante frisar que ainda há regiões com taxas maiores, pois a pandemia é heterogênea.  Temos que estar atentos e observando sinais de retomada. É possível que haja uma segunda onda da doença, pois foi o que aconteceu em todo o mundo. Estamos preparados, com leitos disponíveis, caso isso aconteça.

Há um desejo/pensamento das pessoas de que teremos vacina em outubro. Qual o cronograma real de planejamento em relação à vacina? Qual o panorama atual?

As vacinas estão em fase de teste. Todos os fabricantes, seja a alemã da Pfizer, seja a vacina de Oxford, as vacinas russa e chinesa, nenhuma está aprovada para uso em lugar nenhum do mundo, ainda. E todos os fabricantes, confiantes, já estão produzindo e estocando. Caso dê certo, eles estarão alguns meses na frente.  Quando a vacina estiver aprovada, lá em novembro, a prioridade de vacinação será para aqueles que enfrentam um maior risco. A primeira será população do Hemisfério Norte, que estará confinada em casa com temperaturas muito frias fora. Depois, a população do Hemisfério Sul, que tem o seu inverno no meio do ano. É impossível vacinar a população toda rapidamente. Os grupos de risco serão prioridade.

Na Bahia, teve uma ação inteligente e oportuna do [governador] Rui Costa: quando todos tinham preconceito com a vacina russa, devido a propagandas enganosas do Ocidente, ele firmou uma parceira com ela. Através da Bahia, o Brasil terá prioridade de 50 milhões de doses. E ela só será vendida no país depois de aprovada pela Anvisa. A agência só aprova a partir de resultados clínicos positivos. A previsão mais racional é que a vacinação comece aqui apenas em março de 2021. E será uma vacina de duas doses – com intervalo estimado de 21 dias entre as doses. O que é preocupante, pois aderência à segunda dose, que acontecerá cerca de um mês depois, geralmente é menor. E vai faltar seringa no mundo, mas a Bahia já está se preparando.

Vai ter vacina para todos os baianos?

A vacina é apenas para o grupo de risco, que tem maior chance de morrer. Não haverá vacina para todo mundo em um primeiro momento, é desnecessário. Segue a mesma lógica da gripe H1N1. No Brasil a vacina será gratuita, a partir do Programa de Imunização Nacional.

É possível voltar às aulas de uma forma segura ainda este ano?

Depende da escola e da região. Eu não sei como a educação poderá montar um esquema de calendário homogêneo para regiões heterogêneas. Uma série de variáveis precisa ser avaliada: taxas de ocupação de leitos, escolas com ar condicionado split – que renova o ar da própria sala -, disponibilidade de pias para lavar as mãos… De acordo com uma pesquisa recente feita por nós no Subúrbio de Salvador há 5% de alunos e professores assintomáticos com o vírus. Na escola isso seria uma alta taxa de transmissão.

Como estão sendo planejadas as ações em caso de segunda onda do vírus como já tem acontecido em países da Europa e até mesmo uma terceira onda na Ásia?

Estamos mantendo uma reserva ampla de leitos de UTI. Estamos desmobilizando leitos, mas a infraestrutura está presente. Não faz sentido pagar 100 leitos e usar 10, 20. Então eles serão transformados em leitos para outras doenças – como cirurgias eletivas, que estão voltando a ser feitas. Caso haja uma segunda onda, os leitos serão reativados e não haverá necessidade de obras físicas, como no início da pandemia no Brasil, entre abril e junho. Hoje, o mercado brasileiro conseguiu atingir uma capacidade de suprimentos suficiente para conseguir atender à demanda da pandemia.

Qual será o efeito da disseminação do coronavírus com as eleições municipais de novembro?

Nós fizemos um planejamento da reabertura durante 45 dias. Vai existir risco. Mas se a população seguir as determinações, o risco é pequeno. O fato de ir votar com máscara e respeitando o distanciamento, torna o risco pequeno.  O vírus depende de gotículas. Estas ficam retidas dentro da máscara. A pessoa com máscaras não consegue expeli-las para fora. Espero que no momento da eleição não seja permitido o acesso sem máscara. E os candidatos que forem flagrados patrocinando ou tomando parte de eventos que desrespeitem as determinações de saúde serão punidos.

Quando os hospitais de campanha serão desativados se continuarmos nessa progressão de menor taxa de transmissão? E o que vai ser feito com os equipamentos?

Existem dois tipos de hospital: o de campanha, que é provisório, e leitos de UTI construídos dentro de hospitais. Os de campanha foram o montado na Fonte Nova, com 100 leitos de UTI e 90 de enfermaria; uma tenda do lado de fora do hospital do subúrbio, com 60 leitos; e outro em Teixeira de Freitas, com 100 leitos. Foram criados leitos de UTI nos hospitais Ernesto Simões; Couto Maia; Clériston Andrade; Alaíde Costa. Estamos avaliando quais e quantos leitos das UTIs novas que foram criadas serão mantidos como leitos de UTI regulares daqui para frente. Temos que ver como bancar isso: cada leito custa R$1,6 mil  por dia. Espero conseguir deixar um legado positivo de expansão de UTIs no estado. Antes da pandemia tínhamos 1,3 mil leitos de UTI no estado. Hoje são cerca de 2600 sem contar os contratados pela prefeitura de Salvador.

Quantos desses 2600 leitos de UTI podem ser mantidos pós-pandemia?

O governo abriu cerca de mil leitos e pretende manter cerca de 60% deles. Abrimos novas UTIs em várias cidades do interior da Bahia. Investimentos que podem ser mantidos para sempre. A infraestrutura de oxigênio não vai ser retirado dos hospitais e dos lugares onde foi montada. Assim, caso haja uma nova pandemia, estaremos prontos. A chance de acontecer uma nova pandemia é real. A questão não é se vai acontecer, mas quando. Isso será consequência do processo de urbanização acelerado atual na China. E estaremos preparados. Esse vírus veio para nos ensinar. Ele teve a taxa de mortalidade relativamente baixa, mas não sabemos como será o próximo.

Qual será o maior gargalo da saúde pública depois da pandemia?

O acúmulo de cirurgias eletivas. Uma quantidade muito grande de procedimentos que precisam ser feitos. Nós temos um sistema criado – lista única – organizando as demandas. Há prédios com centenas de pessoas gerando indicadores e dados. Com base nessas informações, estamos organizando este momento. Em 2021, a infraestrutura de hospitais da Bahia vai dar um salto. Todos os hospitais do Governo do Estado estão sendo reformados e muitos estão sendo ampliados. Teremos capacidade de absorver essa demandas reprimidas de forma tranquila.

Em relação à saúde mental, como estamos no preparando para o momento pós-pandemia? 

Nós nos preocupamos muito com isso. há linhas de suporte psicológico para quem está confinado em casa. Nós estamos lidando com isso e vamos lidar com as consequências neurológicas da Covid. O vírus tem modificado o funcionamento do sistema nervoso central e causado sequelas. Ele não é tão benigno como achado no começo da pandemia.

Há um aumento de taxas de transmissão na região Oeste. Existe expectativa de aumento em função da volta do transporte intermunicipal liberado recentemente?

Oeste está com 76% de taxa de ocupação. Tem leitos sobrando no Hospital do Oeste. Foram construídos 30 novos leitos. Leitos de enfermagem foram transformados em leitos de UTI. Por conta disso, hoje, a situação está tranquila. Existirá o risco de aumentar. Mas há riscos e benefícios. Chega um momento que a sociedade não aguenta. Teriam transportes clandestinos e perigosos. É melhor que seja feito de maneira legal, fiscalizada e segura.


Entrevista publicada no Jornal Correio, em 16 de setembro de 2020.

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