O baiano Elias Neto, de 21 anos, foi aprovado no curso de Medicina em duas universidades federais, após os primeiros resultados divulgados pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que é utilizado pela maior parte das universidades públicas do país, como critério de entrada em seus cursos. O sistema leva em consideração a nota do Enem.
Elias fez 787,59 pontos, e conseguiu resultado para entrar no curso de Medicina da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e da Universidade Federal da Bahia (Ufba) de Vitória da Conquista. Ele ainda tem chances de vaga no curso de Salvador, da Ufba, mas já escolheu cursar a Univasf, com sede em Petrolina (PE), cidade vizinha da baiana Juazeiro. O jovem de Salvador se considera um caso de candidato "adverso" para o curso de Medicina por conta do pouco tempo de estudo que teve.
"Eu sou um caso relativamente adverso de candidato. Eu comecei a estudar do meio do ano para frente. Eu tinha trancado a matéria de Engenharia Química no quarto semestre. Eu fiz de 2019 até metade de 2020. Aí eu tive que fazer um intensivo. Uma rotina bem pesada, porque o tempo é menor para estudar os conteúdos e você precisa estudar tudo. Eu tive um respiro maior por conta do adiamento do Enem, de novembro para janeiro", contou ao CORREIO.
De olho nas vagas, Elias decidiu focar totalmente nos estudos. "É muito difícil conciliar os estudos com qualquer outra coisa porque é um curso muito concorrido e qualquer ponto vale muito, então se você tem oportunidade de estudar 100% para estudar Medicina, estude porque cada décimo é importante, e eu vi no Sisu o quanto isso impactou".
O baiano já havia obtido resultados expressivos em 2019, quando foi aprovado no curso de Engenharia Química da Unicamp, de onde é egresso. Ele tinha projetos em andamentos na Universidade de Campinas e havia ganhado uma bolsa, quando decidiu trocar a Engenharia Química pela Medicina.
"Eu tinha projetos em andamento. Eu tinha acabado de ganhar uma bolsa pela faculdade. Quando surgiu essa ideia de fazer Medicina, ela colocou em dúvida tudo o que eu estava fazendo na universidade e eu tive que pensar bastante sobre essa mudança", disse.
O 'start' para a Medicina veio da vontade de ajudar às pessoas e de conseguir colocar em prática ensinamentos recebidos em casa, a gentileza, a educação e o cuidado com as pessoas. "O que me motivou pra fazer Medicina foi essa questão do contato, e ser uma contribuição, uma missão, que é algo que na minha cabeça faz muito mais sentido, essa questão de ajudar, de curar, de fazer pelas pessoas usando a técnica, mas também a gentileza, a educação. Eu acho que é mais fácil fazer isso na Medicina do que na engenharia, porque é uma questão de convivência", conta Elias.
Depois de cursar quatros semestres de Engenharia Química na Unicamp, Elias decidiu trocar de curso e agora vai cursar medicina |
Mas no meio do caminho para a mudança havia uma pandemia e todas as questões que envolvem esse novo momento das nossas vidas. Nada de aulas presenciais na preparação. Uma rotina nova que se transformou em desafio.
"A questão psicológica foi um desafio grande até por conta da mudança brusca de hábitos, da ausência da convivência com as pessoas, da interação com as ruas, com a cidade. Isso impacta em tudo: no humor, na disposição. E diante de tudo isso, ainda tinha a minha dificuldade que era controle de horário, porque nessa situação, o controle do tempo é totalmente do estudante, mesmo com esses cursos onlines. Isso é fundamental para se conseguir resultados porque tão importante quanto a vontade de estudar é estudar com método e acho que esse foi um dos maiores, senão o grande desafio", contou ao CORREIO.
A família de Elias que conta com enfermeiras, advogados, administradoras, pedagogas, engenheiros e jornalistas, agora terá o primeiro médico. Motivo de orgulho para a mãe Joseane Góes. "É um orgulho que não cabe em mim. Uma sensação que nunca imaginei sentir. Eu sabia que ele era um menino estudioso e podia ter um grande futuro, mas estar vivendo isso é algo que até me falta palavras. É um menino preto da periferia, da Cidade Baixa, com todas as dificuldades, ele chegou lá e vai ser um futuro médico. Além do ser humano incrível que ele é, que vai fazer dele um médico com olhar humano e muito competente. Por tudo isso, tenho muito orgulho de estar vivendo isso e agradeço muito a Deus", contou ao CORREIO.
Segundo ela, Elias sempre foi estudioso e curioso, e que por isso, ela não precisava pegar no pé do jovem para que ele estudasse. O foco de Elias era dar uma vida melhor aos pais. "Ele sempre foi estudioso. Eu nunca precisei pegar no pé. Ele sempre quis saber, sempre foi curioso, dizia que queria estudar para dar uma vida melhor a mim e ao pai dele, porque para estar aqui hoje, passamos por muita coisa, não foi pouca não", disse.
Joseane relembra momentos complicados, quando sem dinheiro, precisou de muito esforço, ao lado do marido Edson Góes, para manter Elias em um colégio particular. E agora, os dois comemoram a decisão do passado como determinante nesse momento. Joseana espera que o filho seja inspiração para outros meninos.
"Lutamos muito para manter ele em uma escola particular. Tinha época que a gente não tínhamos dinheiro para rematrícula. Aí meu marido tomou a decisão de vender um carro para pagar a matrícula e comprar os módulos. Foi uma decisão difícil, mas hoje a gente vê que foi a melhor opção. Agradeço a Deus por que a gente tinha a condição de ter um carro, mesmo usado, velhinho, mas que deu dinheiro pra gente conseguisse manter a mensalidade e os módulos. Foi a melhor decisão. E que a história dele inspire outros garotos pretos e pobres a chegar lá", disse.
Boas notas e decisões na hora certa
Elias diz que tentou aproveitar ao máximo o tempo de colégio, só se preocupando, de fato, com as decisões sobre escolha de carreira e vestibular a partir do terceiro ano.
"Até chegar no meu terceiro ano eu tentava aproveitar bastante a vivência da escola e não me preocupava com essas decisões importantes que precisamos tomar tão cedo. Até o 2º ano eu era um aluno que tirava boas notas, mas não era o melhor, não era referência. Aí no terceiro ano, eu passei a me preocupar com vestibular, me dedicar mais, aí fiz um ano de cursinho e aí consegui passar na Unicamp", disse.
Para quem deseja seguir os passos, Elias defende um estudo focado em planejamento e metodologia. Ele destaca ainda a importância de se olhar para as universidades públicas fora dos grandes eixos e capitais.
"Cada um deve seguir os seus passos, mas tendo um eixo, que é o mais importante. O caminho para a universidade não é uma linha reta. O que eu posso dar de orientação é estudar com métodos, que é muito importante. Ter cronograma, tarefas para conseguir dividir o tempo. Isso garante um aprendizado muito melhor. E ter a ciência que existem muitas faculdades no Brasil e muitas públicas e não só nos grandes centros. É importante apreciar as universidades de fora das metropoles, que são muito boas e competentes e não só focar nas universidades de capitais. O projeto de educação superior no Brasil é totalmente abrangente, então se o candidato tiver condições de fazer uma faculdade em algum interior, faça. A convivência universitária é ímpar. Ela enriquece de uma maneira que nenhuma outra faria. O ambiente da universidade é inspirador".
O Correio 24h