Foi durante a pandemia de
Covid-19 que Marlene Hinckel, de 63 anos, conseguiu aprender a ler as primeiras
palavras em sua vida. A moradora de Florianópolis aproveitou as visitas diárias
da filha e do neto de 7 anos a sua casa durante o ano passado para acompanhar
os conteúdos das aulas virtuais do menino, que estava em processo de
alfabetização.
“Imagina que me empolguei com a ideia de
aprender também, e passei a assistir às aulas e usar os livros da escola dele
para tentar ler.[…] Hoje já consigo ler as músicas e versos bíblicos utilizados
no culto diário da família. Para mim, isso já é um grande passo”, diz a idosa.
Em 2019, Marlene, que mora
sozinha na região do Sul da Ilha, se matriculou e começou a ter aulas na
Educação para Jovens e Adultos (EJA). Segundo a filha, Karina Hinckel, a EJA
despertou na mãe a vontade de estudar, pois tinha contato presencial com mais
alunos na mesma faixa de idade e que queriam aprender, além de ser estimulada
pelas professoras e de conhecer o alfabeto. Mesmo assim, a idosa não se
alfabetizou. A situação se agravou com a pandemia, quando ela não conseguiu
acompanhar as atividades à distância.
“Fiquei em casa isolada, sem sair para lugar
nenhum e estava muito depressiva, pois antes da pandemia estava frequentando a
EJA”, detalhou.
Em 2020, com o filho Eduardo
em período integral em casa por causa do coronavírus, Karina saiu do emprego e
começou a se dedicar a auxiliá-lo nos estudos. Eles passaram a visitar Marlene
diariamente para que a idosa não se sentisse sozinha.
Era na casa da avó que o
menino assistia às aulas virtuais, sempre com a matriarca atenta a tudo. O
apoio de Karina para complementar as explicações das aulas de Eduardo eram
estendidas à avó, que usava o material do neto. Assim, Marlene aprendeu a ler.
“A EJA foi fundamental para tudo isso. O apoio
veio da escola, das professoras, por isso que ela não quis desistir e está indo
em frente, foi graças ao EJA, e esse contato com pessoas tão bacanas, que
trataram ela sempre com tanto amor e carinho, que deram tanto valor para essa
necessidade e esse sonho dela”, diz a filha.
Vida
na roça
Marlene é natural de Bom
Retiro, cidade na Grande Florianópolis. Ela conta que os pais priorizaram o
trabalho dos filho na roça e que trabalhou com eles até completar 25 anos.
“Não tinha escola próxima a nossa casa,
tínhamos que caminhar por horas até chegar na única escola, mas meus pais não
achavam importante estudar e preferiam manter os filhos trabalhando na roça”,
lembra.
Depois da roça, veio o
casamento e os filhos. “Casei cedo e engravidei em seguida. Por falta de
orientação, tive três filhos em seguida, o que me impediu na época de estudar.
Mas foi na fase em que meus filhos começaram a frequentar a escola que senti ainda
mais a falta dos estudos, pois eu sequer podia ajudá-los”, relembra.
Aprendizado
já auxilia nas compras
Segundo a idosa, sem saber
ler, até as compras no supermercado eram difíceis. Ela conta que não conseguia
diferenciar o frasco do shampoo e o do condicionador. Agora consegue comprar os
dois produtos. A lista das palavras que a idosa já consegue ler, além de
shampoo e condicionador, inclui dado, dia, lua, dedo e casa.
“Nas sextas-feiras havia um projeto da escola
onde as crianças liam textos que a professora escolhia e assim, fui lendo os
textos e lendo cada dia melhor. Ele logo aprendeu a ler e escrever; já eu,
estou tentando [escrever]”, afirma Marlene.
O neto, que estuda em uma
unidade particular, já retornou para as aulas presenciais esse ano. Com isso,
Marlene está sem as atividades remotas do garoto para acompanhar, mas se sente
mais motivada e segue estudando em casa com a ajuda da filha, enquanto aguarda
a vacinação contra a Covid-19 e o retorno presencial de suas aulas para
aprimorar a leitura.
“Meu plano é continuar
aprendendo a ler. É muito difícil, dá insegurança e, às vezes, parece que
esqueço tudo o que aprendi. Mas quero muito um dia pegar um livro e ler sem
precisar de alguém para me corrigir. Ler e entender, esse é o objetivo”,
afirma.
Por
G1