A comissão da Câmara dos Deputados que discute o voto impresso deve dar parecer sobre o assunto até o fim do mês. O objetivo da medida, defendida pelo presidente Jair Bolsonaro, é instituir a emissão de comprovante pela urna eletrônica, mas a proposta pode esbarrar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Na semana passada, o presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, voltou a se posicionar contra a implementação da mudança, alegando judicialização do pleito e “retrocesso”.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro argumenta que o processo dará mais transparência e reitera: a palavra final é do Congresso Nacional. “Se o Congresso promulgar a PEC do voto auditável impresso, teremos eleições com voto impresso em 2022 e ponto final. Não se discute mais esse assunto. Não tem que ninguém dar palpite”, disse o mandatário.
O deputado Filipe Barros, relator da comissão, afirma que o objetivo é apresentar um “texto pacífico”, a ser discutido antes do recesso parlamentar. “Ainda temos algumas audiências públicas para ouvir convidados, especialistas, advogados, especialistas em segurança digital. Estamos ouvindo todas as pessoas, os favoráveis, os contrários, pessoas que têm dúvidas. E antes do recesso parlamentar, que o relatório seja votado no plenário da Câmara dos Deputados em duas votações”, afirmou.
O presidente da Comissão da Câmara, deputado Paulo Eduardo Martins, admite se tratar de uma corrida contra o tempo.
“Esse não é um assunto novo para o Congresso Nacional, há muitos anos ele é debatido, inclusive foi aprovado e declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Por isso discutimos uma Proposta da Emenda à Constituição, para sanar qualquer vício de constitucionalidade que venha ser levantado no futuro. A mudança na legislação eleitoral tem que ocorrer um ano antes do pleito que vai acontecer. Então temos eleições previstas para 2022, então temos que aprovar a emenda até o final de setembro para que ela tenha aplicabilidade na eleições de 2022. Por isso, devemos votar na comissão até a última semana de junho o parecer apresentado pelo relator”, disse o parlamentar. Ele considera que o voto auditável vai aumentar a confiança dos eleitores nos resultados. Já o advogado Arthur Rollo, especialista em direito eleitoral, destaca que o TSE terá dificuldades para implementar a mudança.
“Além de eventualmente aprovar, terá que viabilizar o orçamento e os recursos financeiros indispensáveis a sua implantação, estimados em R$ 2,5 bilhões. Além disso, a aprovação deverá ocorrer com anterioridade suficiente para que o TSE adote as providências administrativas, como o estudo da viabilidade econômica de adaptar as urnas eletrônicas já existentes ou de comprar novas já acopladas às impressoras. Tudo isso leva tempo que talvez não seja suficiente para implementar essa novidade para as eleições de 2022, mesmo caso venha a ser aprovada pelo Congresso Nacional”, afirmou. Arthur Rollo acrescenta que uma licitação para adaptar ou fabricar as novas urnas terá de ser feita e o processo é demorado. Depois de aprovada na Comissão da Câmara, a PEC vai ao plenário e, se aprovada, será remetida ao Senado Federal.
De autoria da deputada Bia Kicis, a PEC 135/19 não substitui a urna eletrônica por completo, mas, segundo a deputada, seria uma forma de auditar votos e evitar fraudes. O STE (Tribunal Superior Eleitoral) já possui sistema de auditoria das urnas, mas feito de forma eletrônica.
Para os defensores do voto impresso, porém, o formato atual é passível de adulteração e fraudes, embora nunca tenha sido comprovada qualquer irregularidade desde que o país adotou a urna eletrônica, em 1996.
A medida tem amplo apoio na comissão que discute o tema. O aval no colegiado permitirá que a proposta chegue aos plenários da Câmara e do Senado, onde precisará do apoio de 3/5 dos parlamentares de cada Casa, em dois turnos, para ser aprovada.
Entenda o projeto sobre o voto impresso
1) O que diz a proposta sobre voto impresso em discussão na Câmara?
A PEC 135/2019, apresentada em setembro de 2019, não acaba com a urna eletrônica, mas inclui na Constituição Federal artigo que torna obrigatória a impressão de comprovantes físicos de votação, que devem ser depositados automaticamente em uma caixa de acrílico acoplada ao equipamento. Com isso, o eleitor poderá conferir se o recibo em papel coincide com o que digitou, mas não poderá levar o comprovante.
"No processo de votação e apuração das eleições, dos plebiscitos e dos referendos, independentemente do meio empregado para o registro do voto, é obrigatória a expedição de cédulas físicas conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas, de forma automática e sem contato manual, em urnas indevassáveis, para fins de auditoria", diz trecho da PEC, que seria inserido no artigo 14 da Constituição.
2) Qual é o argumento usado por quem defende a impressão do voto?
O principal argumento daqueles que defendem a impressão de um comprovante do voto é a possibilidade de auditar a votação por meio de uma recontagem manual. Hoje, o STE (Tribunal Superior Eleitoral) já possui sistema de auditoria das urnas, mas feito de forma eletrônica. Para os defensores do voto impresso, porém, o formato atual é passível de adulteração e fraudes, embora nunca tenha sido comprovada qualquer irregularidade desde que o País adotou a urna eletrônica, em 1996.
3) E o que dizem os contrários à medida?
A confiabilidade das urnas eletrônicas e o alto custo para se implantar o voto impresso são os principais argumentos de quem prega a manutenção do modelo atual. Não há registro de fraude no Brasil na votação eletrônica em mais de 25 anos de uso. Além disso, o TSE já possui sistemas de auditagem.
Para o atual presidente da corte eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, retomar o voto impresso abriria margem para um "retrocesso", a volta a um passado em que fraudes em votações eram comuns no país. “A introdução do voto impresso seria uma solução desnecessária para um problema que não existe com o aumento relevante de riscos”, afirmou ele, nesta quarta-feira (9), em audiência na Câmara sobre a PEC. “O que nós fizemos com o sistema eletrônico de votação foi derrotar um passado de fraudes que marcaram a história brasileira no tempo do voto de papel”, disse o presidente do TSE.
4) O que acontece se a proposta for aprovada pelo Congresso?
O tema poderá ser judicializado e o Supremo Tribunal Federal considerar a medida inconstitucional, como já ocorreu com proposta semelhante aprovada em 2015. Caso isso não ocorra, o TSE terá de acatar a decisão do parlamento e providenciar o novo sistema. Barroso, no entanto, avisou que não será fácil adotar o voto impresso já para as eleições de 2022. “Se passar, teremos de fazer uma licitação para comprar as urnas. Não é procedimento banal, não é fácil. O tribunal tem boa fé e vai tentar cumprir, se for essa decisão, que eu torço para que não venha, mas, se vier, vamos tentar cumprir (em 2022)”, disse o ministro, que estima um custo de R$ 2 bilhões para substituir todos os atuais equipamentos.
5) A impressão do voto representa risco para o processo eleitoral?
Na avaliação de autoridades, como o próprio ministro Barroso, e de especialistas, a adoção do voto impresso aumenta os riscos de fraudes nas eleições. Isso porque há a possibilidade de defeitos na impressão dos comprovantes nas urnas eletrônicas, o que pode gerar contestações, além de provocar novos problemas, como questões envolvendo a segurança na armazenagem e no transporte das urnas com os comprovantes dos votos. Outro ponto destacado é que o voto impresso pode trazer morosidade para se chegar a um resultado final das eleições, com diversos pedidos de recontagem de votos, por exemplo.
6) Após a adoção da urna eletrônica, o Brasil já testou algum modelo de voto impresso? Qual resultado?
O TSE já testou o modelo em discussão na Câmara em 2002. Na ocasião, o voto impresso foi implantado em 150 municípios brasileiros – ao todo, cerca de 7,1 milhões de eleitores tiveram seu voto impresso, de acordo com o tribunal. No Distrito Federal e em Sergipe, todas as seções contaram com a reprodução em papel. Um relatório do tribunal concluiu que a experiência “demonstrou vários inconvenientes”, “nada agregou em termos de segurança ou transparência” e o pior: criou problemas. O tribunal apontou que nas seções com voto impresso foram observadas filas maiores e um maior porcentual de urnas com defeito.
7) Quanto custaria adotar esse modelo?
A adoção do modelo teria um custo de R$ 2,5 bilhões aos cofres públicos ao longo de dez anos, segundo estimativas feitas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A projeção dos custos foi feita pelo TSE em 2017, após o Congresso aprovar um projeto, em 2015, que previa a impressão de um comprovante físico dos votos nas urnas eletrônicas. Para isso, seria necessária a troca dos equipamentos por modelos com impressoras acopladas, gerando mais custos para o processo eleitoral.
*Com Jovem Pan, R7, Agência Estado e Agência Câmara