A Justiça do
Trabalho condenou a Vale a pagar R$ 1 milhão por danos morais para cada
empregado da mineradora que morreu no rompimento da barragem ocorrido na mina
Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). Os valores deverão ser destinados aos
espólios das vítimas e a seus herdeiros.
A decisão
foi tomada na última segunda-feira (7) no âmbito de uma ação civil pública
movida em janeiro pelo Sindicato Metabase Brumadinho. É uma sentença inédita em
ações judiciais envolvendo a tragédia. Até então, a Justiça já havia, em
diferentes processos, estipulado valores para reparar danos morais causados aos
familiares dos mortos. Em 49 páginas, a juíza Viviane Célia Correa, do Tribunal
Regional do Trabalho (TRT-MG), reconheceu que as próprias vítimas que foram a
óbito também sofreram danos morais que precisam ser indenizados.
Segundo o
TRT-MG, a decisão contempla 131 funcionários contratados diretamente pela Vale,
o que leva a uma condenação de R$ 131 milhões, além de honorários e custas
processuais. O montante é inferior ao pedido no processo. O Sindicato Metabase
Brumadinho pleiteava R$ 3 milhões para cada trabalhador morto. Ao fixar o
valor, a juíza fez registro dos lucros da Vale. No ano passado, os ganhos da
mineradora foram superiores a R$ 24,9 bilhões.
Sentença
A magistrada
fez referência à Súmula 642, aprovada em dezembro do ano passado pelo Superior
Tribunal de Justiça (STJ), que estabelece que "o direito à
indenização por danos morais
transmite-se com o
falecimento do titular, possuindo os
herdeiros da vítima
legitimidade ativa para a ação
indenizatória". Embora súmulas do STJ não produzam reflexos para decisões
da Justiça do Trabalho, a juíza considerou se tratar de uma síntese da evolução
da jurisprudência.
"Como
poderia o de cujus, humanamente, externar o que se passou na mente, no coração,
se se passou tudo ou se nada se passou? Se se recordou os filhos, das
preocupações específicas, dos planos de vida, da família? Se, nos segundos,
minutos, poucas horas, se no tempo transcorrido entre o primeiro golpe do dano
que o levaria a morte até o último suspiro, provou das repercussões decorrentes
da reação pela sobrevivência até a angustia da aceitação da morte certa? Por
outro lado, o ofensor repousa comodamente no silêncio sepulcral (aqui,
literalmente) que ele próprio provocou, deleitando-se da própria torpeza",
escreveu Viviane.
A decisão
abrange apenas os trabalhadores que tinha vínculo direto com a Vale, que são
representados pelo Sindicato Metabase Brumadinho. Não estão incluídos,
portanto, os funcionários de empresas terceirizadas que prestavam serviço para
a mineradora.
O rompimento
da barragem ocorreu em janeiro de 2019, causando destruição ambiental, poluição
ao Rio Paraopeba, impactos em diversos municípios e comunidades, além de deixar
270 mortos. Mais de 90% eram trabalhadores que atuavam na Mina Córrego do
Feijão.
Em nota, a
Vale afirmou que irá analisar a decisão. A mineradora diz já ter pago mais de
R$ 2 bilhões em indenizações cíveis e trabalhistas. "A Vale é sensível à
situação dos atingidos pelo rompimento da barragem B1 e, por esse motivo, vem
realizando acordos com os familiares dos trabalhadores desde 2019, a fim de
garantir uma reparação rápida e integral", acrescenta o texto.
Ações distintas
O pagamento
das indenizações da tragédia de Brumadinho (MG) estão atreladas a diferentes
ações judiciais e tratativas extrajudiciais. Em fevereiro, um acordo global de
reparação no valor de R$37 bilhões foi selado entre a Vale, o governo de Minas
Gerais, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público
Federal (MPF) e a Defensoria Pública do estado. Esse montante, no entanto, diz
respeito apenas a indenização de danos coletivos. Foram previstos diversos
projetos que incluem programas para transferência de renda e atendimento de
demandas comunitárias, investimentos socioeconômicos, ações de recuperação
socioambiental, medidas voltadas para garantir a segurança hídrica, melhorias
dos serviços públicos e obras de mobilidade urbana, entre outras. Esse acordo
não abrange as indenizações individuais e trabalhistas, que são discutidas
separadamente.
Para
indenizar parentes dos trabalhadores que morreram, um termo foi firmado entre a
Vale e o Ministério Público do Trabalho (MPT) em julho de 2019. Ficou
estabelecido que pais, cônjuges ou companheiros e filhos dessas vítimas
receberiam, individualmente, R$ 500 mil por dano moral. Já os irmãos receberiam
R$ 150 mil cada um. Além disso, a título de dano material, a Vale deve pagar
uma pensão mensal para os familiares que dependiam financeiramente da vítima. O
acordo assegura que dependentes de cada morto não devem receber menos que R$
800 mil, ainda que o cálculo fique abaixo desse valor.
Os valores
são inferiores ao que previa um estudo interno da própria mineradora Vale que
foi apreendido pelo MPMG no curso das investigações sobre a tragédia. O estudo
calculava a indenização em quase R$ 10 milhões por morto.
A adesão ao
acordo, no entanto, é opcional. Nem todas as famílias aceitaram os valores e
algumas delas optaram por mover processos. A proposta do acordo foi apresentada
e aprovada em um assembleia dos atingidos, mas a Associação dos Familiares de
Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem da Mina Córrego do Feijão
(Avabrum) considera que eles deveriam ter sido chamados para participar da
elaboração e não apenas serem consultados sobre algo que já estava pronto. A
entidade avalia que não lhes restou muita opção.
Indenizações
para os trabalhadores sobreviventes também já foram discutidos na Justiça.
Negociações entre a mineradora e seis sindicatos levaram a acordos que foram
homologados em abril do ano passado pelo TRT-MG. Deverão ser pagos até R$ 250
mil por danos morais e materiais a cada um dos funcionários, sejam eles da
própria Vale ou de empresas terceirizadas que atuavam na Mina Córrego do
Feijão. O maior valor é para os que estavam trabalhando no momento do
rompimento da barragem.
Na esfera
cível, há parentes de mortos que não trabalhavam na mina que também têm optado
por mover ações individuais. Em um dos processos, o Tribunal de Justiça de
Minas Gerais (TJMG) fixou em setembro de 2019 o valor de R$ 11,8 milhões de
indenização por danos morais a quatro parentes - pais e irmãos - de Luiz
Taliberti, a irmã Camila Taliberti e a esposa dele, Fernanda Damian, grávida de
cinco meses. Eles estavam hospedados na Pousada Nova Estância, que foi
soterrada pela lama de rejeitos.
Nova denúncia
Na mesma
semana em que a Justiça do Trabalho determina o pagamento de danos morais aos
mortos em Brumadinho (MG), a Vale virou alvo de uma nova denúncia. Segundo o
MPMG, a mineradora é responsável por provocar poluição em níveis que resultaram
em danos à saúde humana e destruição da fauna e flora em sua Usina de
Pelotização do Complexo Vargem Grade, em Nova Lima (MG).
Investigações
apontam para a emissão irregular de partículas e óxidos de nitrogênio, entre
2011 e 2015, atingindo especialmente a região do Condomínio Solar da Lagoa.
"Também
houve lançamento irregular de efluentes líquidos sanitários no solo, entre 2011
e 2014, além de poluição sonora acima do aceitável para o horário noturno em
área rural", diz o MPMG em nota.
A mineradora
e três dirigentes foram denunciados hoje (10) por crimes ambientais. Em nota, a
Vale disse estar comprometida com a sociedade e com o meio ambiente e informou
que ainda não recebeu nenhuma citação relacionada à denúncia.
Por Lílian Beraldo / Agência Brasil