Foto: Reprodução / Paula Fróes / GOVBA |
Com o avanço da variante
delta do coronavírus no país e provável aumento de novas internações por
Covid-19 como já ocorre na Europa e nos Estados Unidos, uma nova preocupação
ronda os gestores de hospitais públicos e privados: a dificuldade de reposição
de médicos e outros profissionais da saúde.
O problema se agravou
durante a pandemia, quando uma parte do contingente foi infectada pela Covid-19
e ainda enfrenta sequelas da doença ou pediu afastamento por transtornos
mentais, como depressão, ansiedade e síndrome de burnout. Essas baixas se
juntaram a outras que já aconteciam rotineiramente.
Uma pesquisa divulgada pelo
Sindhosp (sindicato paulista dos hospitais, clínicas e laboratórios privados)
do início do mês mostra que o afastamento de funcionários representa hoje o
maior entrave ao atendimento do paciente Covid: 46% dos gestores dos hospitais
se queixaram disso.
Segundo Francisco Balestrin,
presidente do Sindhosp, os hospitais ainda sofrem os efeitos da pandemia, em
que muitos funcionários se afastaram por problemas de saúde ou desistiram do
trabalho temendo a infecção.
"Com a queda das
internações, isso tem sido acomodado. Mas se a delta provocar mais
hospitalizações, vamos voltar a ter os mesmos problemas que tivemos nos picos
da pandemia."
Em março, por exemplo, 78%
dos gestores relatavam o afastamento de funcionários por questões de saúde como
o principal problema enfrentado na assistência de pacientes com Covid.
Para Antonio Brito, diretor
executivo da Anahp (associação reúne os hospitais privados de excelência), há
oferta de mão de obra da saúde no mercado, mas o principal desafio tem sido a
reposição com funcionários qualificados.
A enfermeira obstétrica
Natalia Sousa da Silva, 28, de Itapecerica da Serra (SP), lecionava e atuava no
pronto-socorro de um hospital privado, supervisionando estagiários.
Ela aproveitou as férias no
início de 2020 para investigar as fortes dores que sentia na região lombar. Ao
se submeter a uma infiltração de corticoide no local, perdeu os movimentos da
perna esquerda.
Desde então, ela está
afastada do trabalho, sente ainda muitas dores e faz condicionamento físico,
fisioterapia e terapia ocupacional em uma das unidades da Rede de Reabilitação
Lucy Montoro, do governo paulista.
"Estou aprendendo a
aceitar a limitação e me preparando para um dia poder voltar ao trabalho. Sinto
muita falta, mas sinto também muito medo de como será essa volta."
A dificuldade de reposição
de quadros é enfrentada também pela rede pública, que viu grande número de
servidores se afastar por problemas de saúde durante a pandemia.
Dados da coordenação de
gestão de saúde do servidor da prefeitura de São Paulo mostram que desde o
início da pandemia até o o último dia 10 foram registrados 11.816 pedidos de
afastamento por suspeita de Covid-19. O número representa 9,4% do total de
125.072 servidores ativos.
Somente no mês passado houve
7.296 pedidos de perícia médica por motivo de saúde ou acidente de trabalho.
"Não é possível especificar de quantos dias eram essas licenças, se elas
foram concedidas e quais foram os motivos exatos, já que dependem de
perícia", diz a prefeitura em nota.
O Hospital das Clínicas de
Ribeirão Preto (SP) tem hoje 327 servidores da saúde afastados, entre médicos,
enfermeiros e técnicos de enfermagem. A administração espera desde maio
autorização do governo paulista para repor 237 dessas vagas. Desde então, houve
mais 90 pedidos de afastamento.
Até 2015, o governo do
estado autorizava a reposição automática. Mas isso mudou e hoje o gestor
precisa entrar com processo com justificativa da contratação. As aprovações
costumam demorar de quatro a seis meses.
"Estamos muito
preocupados. Se a delta provocar aumento de internações, não teremos como
ampliar mais leitos de UTI Covid [com o atual quadro]", afirma o superintendente
do HC-Ribeirão, Benedito Carlos Maciel.
Na pandemia, foram
contratados funcionários temporários, por meio de uma fundação de apoio ao HC,
para operar 82 leitos de UTI destinados à Covid. Com a queda dos casos, o
hospital voltou ao patamar anterior de leitos (56).
"Os profissionais
ficaram muito esgotados, muitos não querem mais dar plantão. Às vezes, a gente
contrata a pessoa para dar quatro plantões, ela só dá um e não quer mais. Tem
sido um desgaste muito grande manter a equipes", diz.
Em nota, a Secretaria de
Estado da Saúde diz que para reforçar as equipes do Hospital das Clínicas de
Ribeirão Preto autorizou a contratação de cerca de 600 profissionais para a
unidade desde 2019.
Desde o ano passado, diz a
secretaria, foram abertas 1.300 vagas de Contrato por Tempo Determinado.
"A contratação de remanescentes de concursos ocorre mediante a demanda da
rede hospitalar e depende também da anuência dos participantes."
O médico intensivista
Ederlon Rezende, membro do comitê executivo da Amib (Associação de Medicina
Intensiva Brasileira), conta que hoje há um respiro nas UTIs em relação à
Covid, mas que aumentou muito a pressão por outras demandas não Covid, que
ficaram represadas durante a pandemia, em especial as cirurgias.
"Muitas cirurgias estão
sendo feitas tardiamente, com pacientes mais graves. E os profissionais de
saúde ainda enfrentam as consequências da pandemia, uma sobrecarga física e
emocional muito pesada. Nunca vi tanto burnout", afirma.
A situação só não está pior
porque a vacinação provocou uma redução expressiva dos afastamentos por
Covid-19, segundo Nacime Salomão Mansur, superintendente das instituições
afiliadas à SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina),
responsável pela gestão de 26 hospitais, além de ambulatórios e outras unidades
de saúde.
Uma pesquisa feita pela SPDM
em 20 hospitais, ambulatórios e unidades de saúde, com 22.510 funcionários,
mostra que houve uma queda de 53,5% de dias perdidos de trabalho em maio deste
ano em relação ao mesmo mês de 2020 --de 33.169 para 15.410.
O número de profissionais
infectados por Covid-19 passou de 800 em maio de 2020 para 192 em junho, quando
95% deles já tinham sido vacinados contra a Covid-19.
Mansur afirma que uma das
principais dificuldades para repor o quadro de funcionários tem sido encontrar
profissionais qualificados disponíveis para o trabalho.
Atualmente, as enfermarias
Covid dos hospitais administrados pela SPDM estão com 20% de taxa média de
ocupação, e as UTI, de 30% a 40%. Existem cerca de 750 leitos ainda reservados
para Covid --no auge da pandemia foram mais de 1.000.
"Estamos inseguros em
reverter totalmente os leitos Covid em não Covid porque não sabemos como essas
novas variantes vão se comportar. A delta tem assustado. Ainda há uma
insegurança no controle da pandemia", diz.
Por Claudia Collucci |
Folhapress