Cadê a encomenda? Baianos reclamam de atraso nas entregas dos Correios

Você já cansou de esperar por aquela encomenda que mesmo depois do prazo ainda não chegou? Está recebendo agora boletos acumulados de 2020? Pois saiba que não está sozinho. Os atrasos nos Correios tem dado o que falar. A empresa não divulga o número de produtos em atraso aqui na Bahia, mas basta uma olhada na internet para encontrar uma chuva de reclamações e até memes de quem está tendo prejuízos por conta desse fenômeno.

Tem quem diga que a encomenda levou 22 dias para ser transportada de Ilhéus para Salvador e quem esteja recebendo agora boleto de IPVA e fatura de loja de 2020. E como o povo gosta de brincar com coisa séria, não falta quem faça piada e memes com os atrasos. “Meus pedidos chegaram depois de alguns dias de atraso, mas agora eu sinto um vazio porque já era parte da minha rotina entrar no site dos Correios para checar atualizações e reclamar do atraso no Twitter”, disse uma usuária da rede social. 

Já a engenheira civil Mariana Cardoso, de 34 anos, não achou muita graça na situação. Ela conta que recebeu em setembro deste ano contas de gás de julho de 2020 e de maio de 2021. Esta última não estava paga. “Eu fui procurar saber e vi que estava devendo, tive que pagar com quatro meses de atraso”, diz. Depois do episódio, Mariana passou a buscar meios online para obter os boletos. 

“Eu consegui gerar uma senha para pegar a conta online e não ficar mais dependendo dos Correios. A conta de luz já não chega mais há cerca de quatro meses, não sei o que aconteceu. Aí comecei a pegar online também. Mas a dinâmica toda muda porque quando o boleto chegava a gente lembrava que tinha que pagar, no online é diferente, aí eu coloco a opção de lembrar por e-mail ou SMS. Se não fosse esse lembrete já teriam cortado a minha luz aqui em casa”, conta a engenheira. 

No caso do advogado Ciro Moniz, de 39, além de não estar recebendo as correspondências, ele também enfrenta transtornos com as compras online. Ciro tem costume de fazer encomendas pela internet e, em setembro, adquiriu nove produtos. Desses, cinco passaram do prazo de entrega. Ele explica que os produtos costumam chegar rápido até Salvador e vão para a unidade Garibaldi, mas ficam lá por dias e, às vezes, semanas. 

“Comprei o colar de pós-operatório para o meu gato que ia passar por uma castração e dava tempo de chegar com bastante antecedência em condições normais, mas chegou dia 21 de setembro na Garibaldi e só entregaram no dia 5 de outubro. A cirurgia foi no dia 1º”, conta Ciro. “Também comprei uma lanterna para o meu vizinho que precisa levar a moto para fazer a vistoria e não chegou ainda, mesmo passando o prazo de entrega”, acrescenta. 

A estudante Ana Caroline Santos, de 16 anos, optou pela internet para comprar um fone de ouvido por conta da comodidade e dos menores preços. Agora, ela se arrepende de não ter ido até uma loja física em Eunápolis, cidade onde mora. Ana diz que a encomenda foi postada no dia 13 de agosto, com previsão de entrega no dia 29 do mesmo mês. Mas até agora ela não recebeu o fone.

“Desde o dia 17 de setembro o produto está em Salvador. Somente no dia 4 de outubro o site atualizou dizendo que a encomenda estava vindo para Eunápolis. Mas nisso eu já tinha pedido reembolso no site, mas não consegui”, afirma a estudante. 

Até o fim da tarde desta segunda-feira (1°), só na 'Reclame Aqui', plataforma aberta para avaliações de produtos e serviços, nos últimos seis meses, 46.571 reclamações contra os Correios foram registradas, sendo que 66,8% das pessoas que fizeram essas reclamações não voltariam a fazer negócio com a empresa.

Quando a checagem é feita nos últimos 12 meses, o número de reclamações sobe para 76.689, sendo que 67,8% dos reclamaram nesse período não querem voltar a fazer negócio com os Correios. Em 2020, ao todo, foram registradas 80.738 reclamações e, entre estas, 67,5% dos clientes não pretendem voltar a usar o serviço da empresa. Nos últimos seis meses, a avaliação dos Correios na Reclame Aqui é de 4.7 de 10. Nos últimos doze, essa avaliação é de 4.6 e, em 2020, também foi de 4.6.

O que explica os atrasos dos Correios?

De acordo com Ana Taís Fontes, administradora, especialista em Gestão de Materiais e Logística e professora da Unesulbahia e UniFTC, as vendas online já vinham crescendo ao longo da última década e, durante a pandemia, tiveram aceleração ainda maior. “As empresas comerciais se dedicam muito a entender as tendências de consumo dos seus clientes para planejar seus estoques”, afirma.

Segundo dados do índice MCC-ENET, o e-commerce no Brasil fechou positivo em 73,88% no acumulado de 2020, em relação ao ano anterior. O crescimento, inclusive, foi maior que nos Estados Unidos, onde um estudo feito pela Adobe apontou que o e-commerce americano cresceu 42% em 2020 se comparado a 2019.

Mas esse crescimento não foi acompanhado pelos Correios. O empresário Rafael Almeida, de 22 anos, é de Camaçari e em 2018 lançou uma marca de roupas (@useqihj) que atende todo o Brasil. Ele diz que sempre enfrentou problemas com os Correios, que acaba sendo a única opção para a entrega, já que as transportadoras cobram um valor mais alto e fazem mais exigências. 

“As filas para a postagem das encomendas são enormes; eu já tentei em Camaçari, em Salvador, em Lauro de Freitas e é tudo igual. Era sempre um transtorno, ficava mais de duas horas na fila e o atendimento era sempre bem ruim, nem parecia que eu pagava pelo serviço. Aí depois de muito eu consegui encontrar uma agência em Lauro de Freitas que só aceita Pix e dinheiro e está sempre com fila pequena, agora só vou nela”, conta Rafael. 

Além das filas para a postagem, o empresário enfrenta também as reclamações dos clientes, porque, frequentemente, as entregas passam do prazo. “Muitos clientes não compreendem, pedem o dinheiro de volta e fazem até grosseria mesmo. E a gente vai tentando contornar a situação, oferece um desconto na próxima compra ou um brinde, porque no final das contas o cliente tem razão, mas a gente fica sem poder fazer muita coisa”, acrescenta. 

O aumento das vendas online, aliado aos problemas que os Correios vem enfrentando, explica os atrasos. “Nos últimos anos, os Correios foram perdendo investimento federal, aporte em inovação, tecnologia e mão-de-obra qualificada. Qualquer empresa seja pública ou privada, em contexto semelhante deixaria de atender de forma satisfatória aos seus clientes”, analisa a professora e especialista em logística Ana Taís Fontes. 

Segundo o vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (ADCAP), Marcos César Silva, a empresa enfrenta um déficit de funcionários, que vem afetando diversos estados do país. “Dois insumos não podem faltar na operação dos Correios: as pessoas e os transportes. Já tivemos problema de falta de transporte no passado e agora é a vez do problema com as pessoas”, afirma. 

“Para um bom serviço prestado, é preciso que a empresa tenha uma quantidade adequada de funcionários. Se tal serviço precisa de 50 carteiros, é necessário que existam 50 carteiros disponíveis. Se essa quantidade cai, a qualidade cai”, coloca. 

Silva diz ainda que não há concurso público para os Correios desde 2011. “Quando começaram a falar de privatização, aí mesmo que não teve nem sinal de concurso”, destaca. A estatal é alvo de um projeto de privatização, defendido pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido). O texto já foi aprovado na Câmara dos Deputados e aguarda análise do Senado.

A saída encontrada é a contratação de empresas terceirizadas mas, segundo o vice-presidente, isso não resolve o problema. “É uma tentativa de cobrir as lacunas, mas isso causa transtornos porque as terceirizadas não são tão especializadas quanto a mão de obra própria e podem acontecer problemas com esses contratos, como atraso no fechamento ou falência da firma”, explica. 

O diretor de comunicação do Sindicato dos Trabalhadores em Correios e Telégrafos no Estado da Bahia (Sincotelba), André Aguiar, complementa que a pandemia impactou ainda mais nesse cenário de problemas com o quadro de funcionários. Segundo ele, muitos foram afastados ou remanejados para o trabalho remoto por possuírem comorbidades. “O serviço de entrega de cartas é o mais prejudicado até hoje porque tivemos uma baixa de funcionários dessa área e isso gerou um acúmulo desse tipo de documento de quase um ano”, ressalta. 

Em nota, Os Correios afirmou que lamenta os transtornos e que, “em razão dos protocolos adotados em prol da segurança de empregados, fornecedores e clientes, podem ocorrer alterações nos serviços prestados. Porém, a rotina de entrega permanece sendo executada”. 

A empresa diz ainda que está adotando medidas como a execução de horas extras e plantões aos sábados para minimizar os impactos aos clientes. As reclamações de atraso podem ser resolvidas pelos telefones 3003-0100 (capitais e regiões metropolitanas) e 0800 725 7282 (demais localidades), ou pelo site.

As transportadoras

Ana Caroline Santos, que está com atraso na entrega do fone de ouvido que comprou, conta que nunca teve problemas com as compras que realiza via transportadoras e que, de agora em diante, vai optar por esse modelo, deixando os Correios de escanteio. Ela não é a única. 

A Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em abril de 2021 mostra que os serviços de armazenagem e auxiliares aos transportes foram os que se mostraram menos impactados pela pandemia, com aumento de 13,2% em fevereiro de 2021 em relação à referência do mesmo mês em 2020. De acordo com o IBGE, essas atividades se sobressaíram, especialmente com as empresas que prestam serviços de logística, com a entrega de produtos comprados pela internet.

Mas a especialista em logística, Ana Taís Fontes, lembra que as transportadoras têm áreas delimitadas de atuação e que, atualmente, os Correios são o único canal de acesso a produtos e serviços para as cidades mais pobres e mais distantes do país. “Essa delimitação se dá pela capacidade de equilibrar os custos e o lucro. Se a localidade não tiver uma quantidade de entregas que justifiquem os custos logísticos e gerem lucro, certamente ela não estará contemplada pela transportadora”, destaca. 

Em cerca de 40% das cidades, os Correios são a única empresa que presta serviços de envio de encomendas. O número representa mais de 2.000 dos 5.570 municípios brasileiros. O dado foi levantado a pedido do UOL pela própria estatal, considerando “estudos preliminares e levantamentos realizados pelo mercado”. Os Correios não detalharam quais são os municípios que integram esse grupo, alegando que trata-se de “informação sensível e estratégica ao negócio”. Por isso, não é possível saber quantas pessoas só podem contar com a empresa.

“Deve-se lembrar também que os Correios prestam serviços ao governo federal em apoio à população, como por exemplo a entrega do cartão de confirmação e local das provas para realização do ENEM. Para aqueles que não possuem serviço de internet, este serviço é primordial”, finaliza Ana Taís. 

*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro

O Correio 24h

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