“O Senhor é meu pastor, nada me faltará.” O trecho do Salmo 23 da “Bíblia” é sinal de confiança na providência divina estampada na parede do barracão onde o casal Aldeci de Jesus Silva, de 35 anos, e Márcia Cristina Gonçalves, de 33, vive com sete filhos, na Vila Castelo Branco, área carente de Montes Claros, Norte de Minas. Mas, se a fé vem ajudando a atravessar as provações, a condição social faz da escassez uma companheira no caminho. A família é uma das beneficiárias do Auxílio Gás, criado pelo governo para inscritos no Cadastro Único de benefícios sociais da União, com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo ou que tenham entre seus integrantes pessoa atendida pelo Benefício de Prestação Continuada. A ajuda é bem-vinda, claro, mas os R$ 51, em valores de abril, pagos a cada dois meses, mal chegam para o combustível. Na verdade, vem faltando até o que pôr na panela.
Aldeci, Márcia Cristina e a “escadinha” de sete filhos – Mary Talita, de 15 anos; Sara Daniele, de 14; Clesia, de 11; João, de 10; Rute Emanuelle, de 8; Lucas Gabriel, de 6; e Wesley Miguel, de 4 – estão longe de ser exceção entre as famílias atendidas pelo benefício, mais conhecido como vale-gás. Na verdade, o dinheiro, que não é vinculado à compra do combustível, acaba sendo usado para ajudar no minguado orçamento, enquanto atendidos pelo programa seguem recorrendo ao fogão a lenha, e se dão por satisfeitos quando conseguem ter o que cozinhar.
O “vale-gás” instituído pelo governo federal e pago a cada dois meses equivale, segundo a tabela de abril, à metade do preço médio do botijão de gás no país nos últimos seis meses. Mesmo que a conta para a União seja de R$ 5,39 milhões, de acordo com os dados do governo, e que a ajuda seja considerada indispensável pelas famílias, para os contemplados o valor extra não dá conta de afastar o drama da falta de dinheiro para comprar alimentos, pagar contas de água e luz e outras despesas indispensáveis para a garantia de uma vida digna.
A família de Aldeci não está familiarizada com a dinâmica ou os jargões da economia, mas sabe bem que o resultado da conta não fecha no fim do mês. Cadastrada no Renda Brasil (antigo Bolsa-Família) em fevereiro, a família recebeu R$ 680 do programa social, valor que inclui o Auxílio Gás. O casal, que sobrevive do pouco que Aldeci consegue na labuta como carroceiro, enquanto a mulher cuida da prole numerosa, afirma que pouco sentiu a “diferença a mais” do benefício.
Márcia Cristina conta que outra ajuda para que a família consiga ir se sustentando vem da velha caderneta de compras a prazo, em uma mercearia perto da Vila Castelo Branco. “Sempre pego as coisas lá. No dia em que recebo o benefício, pago uma feira (a compra do mês anterior), mas fico devendo a outra”, explica.
Mesmo assim, o carroceiro Aldeci não esconde que a família enfrenta falta de mantimentos básicos, como arroz, feijão e açúcar, dependendo da ajuda não só do governo, mas também de outras pessoas para sobreviver. “Aqui, agradecemos primeiramente a Deus, e em segundo lugar ao povo que ajuda a gente. Se não fossem eles, a gente não aguentava”, diz o morador.
Para continuar aguentando, ele admite que, de vez em quando, consegue algum produto da cesta básica com vizinhos. Mas são itens essenciais. Carne, por exemplo, é iguaria rara na moradia. “Isso a gente só come mesmo quando sobra um dinheirinho. Quando não sobra, a gente fica na base do arroz com feijão, mesmo”, descreve.
Cláudia sabe que o benefício contribui para sua sobrevivência e das filhas, o que não a impede de reconhecer que é pouco. Ela complementa a renda fazendo faxinas como diarista. Mas nem sempre encontra serviço, o que complica a situação da família, que chega a enfrentar necessidades. “As vezes, falta até o arroz e o feijão”, confessa.
Outros produtos são ainda mais raros na mesa da família. “Só compro carne mesmo no dia que pego o dinheiro (o benefício do governo) ou faço faxina, duas ou três vezes ao mês”, contabiliza Cláudia, enquanto planeja o cardápio do dia: arroz, feijão e abóbora.
Redação: Estado de Minas