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As incertezas em torno do tamanho do rombo fiscal no Orçamento de 2023 e a demora do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em anunciar o nome de quem comandará a equipe econômica do novo governo estão deixando o mercado ansioso e aumentando as previsões de alta dos juros no ano que vem.
O aumento da taxa básica da economia (Selic), atualmente em 13,75% ao ano, entrou de vez no radar do mercado. Na melhor das hipóteses, a Selic poderá continuar nesse patamar até dezembro de 2023. Mas algumas estimativas para os juros futuros apontam a Selic entre 14,75% e 15% anuais. Os contratos DI com vencimento em 2024, por exemplo, foram negociados com taxas acima de 14%, apesar de um leve recuo devido à baixa liquidez em dia de jogo do Brasil na Copa do Mundo do Catar.
A expectativa dos analistas é de que o anúncio do futuro ministro da Fazenda — pasta que será recriada pelo novo governo — ocorra ainda nesta terça-feira. Para descontentamento do mercado, o nome preferido de Lula vem sendo o ex-ministro da Educação Fernando Haddad, que o acompanhou a Brasília para participar das negociações da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. Lula indicou Haddad para participar das reuniões do grupo de trabalho de Economia da equipe de transição.
"Haddad não estava originalmente programado para participar desta viagem, então, isso alimentou boatos sobre ele ser o nome preferido do presidente eleito para chefiar a equipe econômica", destacou Christopher Garman, diretor para as Américas do Eurasia Group, em relatório para os clientes. "Se confirmado como ministro da Fazenda, Haddad, provavelmente, formaria um grupo de secretários com credenciais de mercado para acalmar as preocupações do mercado. Ele teria o apoio político para ser mais específico sobre os planos econômicos e se envolver mais diretamente nas negociações de isenção de gastos. Paralelamente, parece improvável que alguém com boas credenciais de mercado aceite chefiar o ministério do planejamento para 'contrabalançar' Haddad no ministério da Fazenda", acrescentou.
Ontem a B3 fechou novamente no vermelho. O Índice Bovespa (IBovespa), principal indicador da B3, recuou 0,18%, para 108.782 pontos. O dólar também teve queda e encerrou o pregão cotado a R$ 5,366 para venda, 0,82% abaixo do fechamento anterior.
"O volume de negociações acabou sendo menor, por conta do jogo do Brasil, mas essa indefinição de quem será o ministro da Fazenda tem deixado ansioso, e sabemos qual será a reação na Bolsa. Se for Haddad, será negativa. E, se for outro nome, positiva", explicou Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos.
Rombo
Uma das preocupações de analistas é o tamanho do rombo fiscal no Orçamento de 2023 que será criado com a PEC da Transição, que pode ultrapassar R$ 200 bilhões, se considerar o texto preliminar enviado ao Congresso pela equipe de transição. E, para piorar, a PEC protocolada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI) no Senado, ontem, depois do fechamento dos mercados, manteve a previsão de estouro do teto de R$ 198 bilhões durante os quatro anos do governo Lula, sendo R$ 175 bilhões para o Bolsa Família e R$ 23 bilhões para investimentos. Ou seja, um cheque de quase R$ 800 bilhões para a nova gestão gastar sem muita explicação.
"O texto da PEC não mudou muito em relação à minuta, apenas no prazo de quatro anos para as despesas do Bolsa Família fora do teto, que passará a valer a partir de 2023", destacou a especialista em contas públicas Juliana Damasceno, da Tendências Consultoria. "É um péssimo sinalizador. Sem trava, não há incentivos nem mecanismos de controle e priorização dos gastos", lamentou.
Julio Hegedus, economista-chefe da gestora sul-coreana Mirae Asset, disse achar que será possível reduzir o tamanho desse rombo, durante as negociações da PEC no Congresso para algo em torno de R$ 150 bilhões. "Vamos observar como serão as negociações. Há muita gordura para queimar", afirmou.
Para Hegedus, no entanto, o que mais preocupa no novo governo é a indefinição de quem será o escolhido para comandar o Ministério da Fazenda. "Se a amarração da equipe econômica não agradar e as despesas vierem mais fortes, sem contrapartida, elevando muito a dívida pública e o deficit das contas do governo federal, não restará ao Banco Central outra saída que é a de ser ainda mais cauteloso diante da frouxidão fiscal", alertou.
Outro risco adicional por conta desse rombo fiscal ainda indefinido é o impacto da volta de aumento de juros por conta dessa piora inevitável no quadro fiscal. Dependendo do que for aprovado na PEC, as projeções de inflação tendem a subir ainda mais e o Banco Central poderá aumentar os juros no ano que vem em vez de reduzir, e, com isso, frear de vez o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do próximo ano.
Na semana passada, Gustavo Arruda, economista-chefe para a América Latina do PNP Paribas, admitiu que não descarta alta da Selic caso o volume de despesas fora do teto previsto na PEC da Transição fique acima de R$ 150 bilhões. "O próximo ano será de reequilíbrio e de aperto de juros para combater a inflação historicamente alta. É difícil ver uma contribuição do cenário global na economia brasileira, na qual devemos observar a Selic perto de 14% ainda por um período mais prolongado, devido à percepção recente de risco que pressiona a taxa de juros", disse.
Por Rosana Hessel / Correio Braziliense